quarta-feira, 2 de março de 2011

Maria hortelã

Maria hortelã
Jb.campos

Sinopse

Esta obra romanesca relata alguns fatos inspirados no dia-a-dia de um clã de Vinhateiros do interior de um estado do país.
Histórias peculiares de uma grande família formada por pessoas de boa índole.
Trazendo-nos uma identificação com o cotidiano de seres humanos que, na sua essência não passam de nós mesmos, suas alegrias e suas dores são muito semelhantes às nossas.
Que esta leitura se preste a nos alentar, como um bálsamo, colocando-nos em languidez de espírito, ou seja: em paz d’alma, já que não nos encontramos sozinhos neste mundo de alegria e aflições.
Não se descarta aqui o humor impregnado nos atos e fatos corriqueiros de seres comuns, até porque... nos bastidores de nossas vidas, somos todos comuns sobremaneira...
Esperamos que você goste...
Boa leitura.

MARIA HORTELÃ
Homenagem póstuma

Este livro é dedicado ao amigo: Mário Benedito de Moraes, (Mário D' Guá) criador do respectivo título!

CAPÍTULO I

SIMPLESMENTE: HORTELÃ

Certa feita, estando a trocar idéias com um amigo, ele me falou: escreva um livro a meu pedido e... que esse livro chame-se: Maria Hortelã.
Uma frase tão suave como o perfume da Gardênia, algo realmente de inspiração - Por quê?
Sendo apegado à crença, fui consultar os oráculos que de pronto me anuíram as escritas, ficando muito grato pelo privilégio de mais uma vez poder escrever, apoiado num título provido pela amizade de um caro amigo.

Um lugarejo

Havia um lugarejo e, nas suas proximidades habitava Maria Hortelã, que doravante chamaremos carinhosamente de: Hortelã.
Cujo vilarejo dava-se ao plantio de uvas e, obviamente como se é de costume também ao fabrico de deliciosos vinhos.
Uma família numerosa povoava o local, sendo que... ali quase todos eram parentes - primos aqui; irmãos ali; tios acolá, a união era realmente encantadora, apesar de... dentro da normalidade humana, com seus pequenos problemas de família.
A região toda era possuidora de grandes enólogos naturais, de modo que, os vinhateiros haviam de caprichar nos seus produtos, com a pena de severa crítica-parentesca.
Hortelã campeava um grande amor, como qualquer donzela à cata do seu príncipe encantado.
Aquele jovem... beirando à perfeição, pele bronzeada, cabelos loiros, olhos azuis, bem, na realidade estamos querendo explicitar os desejos ocultos de uma bela jovem que, na realidade não se configuraria com a nossa suposta verdade.
Hortelã apaixonou-se perdidamente por: Rubi Rubinato, cognominado de: Nato.
Descendente de italianos, e grande degustador de vinho, Nato tomava todas, mas, era um camarada muito consciente, honesto e de bom-senso.
Naquelas paragens via-se tonéis e mais tonéis do precioso néctar dos deuses que, fazia Baco ficar boquiaberto e babando de sede.
Diplomas e mais diplomas dependurados nas paredes das adegas, faziam apologias aos seus proprietários, como grandes conhecedores da decantada bebida, decantada no sentido literal da palavra.
Grandes festas e leilões portavam aqueles rótulos de variados matizes, principalmente o lilás, indicando o sabor dos rosados ou roses, brancos ou doces que, iriam indubitavelmente fazer a festa dos seus partícipes.
Hortelã era chegada nos mentolados, portanto, a sua bebida favorita era o licor de menta.
Seu cigarro, sabor: hortelã.
Daí, provavelmente, a suave e calmante alcunha: Hortelã.
Hortelã era de uma fineza ... uma educação que, esta palavra se fazia jus à tão meiga e agradável criatura.
Quem não gostaria de ter ao seu lado, uma irmã, uma mãe, ou esposa de tal alcalinidade d'alma, para amenizar suas dores?
Realmente a mansuetude de Hortelã, foge à nossa capacidade de aquilatá-la.
Mas, deixando os encômios, vamos à objetividade da nossa fala...
Aquelas pessoas eram muito alegres e promoviam festas e churrascos com constância de cair o queixo.
Numa dessas afamadas festas, onde reuniam-se parentes médicos, advogados, e todos os profissionais que se possa imaginar e, lá encontrava-se Nato que, exercia uma função na Gerência de Produção em uma das fábricas dos famosos vinhos.
O encontro, Nato versos Hortelã, foi contundente, foi um impacto de almas gêmeas.
Essas coisas de alma e amor, não se explicam, apenas acontecem, como se fora uma das necessidades fisiológicas.
A união foi avassaladora, abrasados, já nos primeiros olhares fagulhados de paixão torturante.
Hortelã era semi comprometida, enamorava-se com um militar, soldado enfático em sua justiça, porém, este fato tornara aquela união esmaecida.
O soldado Honorato, às vezes era ríspido demais com a doce Hortelã. Além de tudo era mão-de-vaca - pão-duro e, a elegante Hortelã arcava com a conseqüente despesa, conhecida por: despesa geral.
Mas, ali na festa do vinho, onde Honorato montava guarda diante do estádio de futebol, mantenedor da ordem pública, dava azo à sua Hortelã, na liberdade do seu verdadeiro amor, mesmo que, por ínfimo tempo.
Nato não resistiu, chegou à ela e:
- Com "permisso"... donzela?
Numa linguagem coloquial, misturando à etnia da raça, obteve a graciosa resposta:
- Em que posso ser-lhe útil, cavalheiro?
O trejeito lânguido e cheio de graça... mesclado com a afável voz encantadora da odorífica Hortelã, fez o efebo baloiçar em seus artelhos.
Com a mente tisnada, perdeu o rumo da conversa.
- Desculpe-me, não estou me sentindo bem...
Retirante, foi ao banheiro enxugar seu suor, produzido pelo calafrio causado pela louca paixão de primeiro amor.
Quando Nato voltou, sofreu a maior decepção da sua vida, pois, lá estavam, Hortelã e Honorato... abraçados, fazendo tipo aos seus amigos que os rodeavam.
Nato, que já era do metiê, agora começa tomar golfadas do seu predileto vinho branco, tomou tanto, que acabou entrando em coma alcoólico.
Levado ao hospital mais próximo, que distava apenas quinze quilômetro do local da sua residência ali no vilarejo.
Ficando internado por alguns dias, tal foi a violência provocada pela paixão.
Mas, um fato novo e inefável estava para acontecer... toc... toc... toc... Toques com delicadeza profunda foram ouvidos, à semelhança de silvos a sibilar naquele quarto hospitalar, aos ouvidos do sonado mancebo.
Nato já estava sopitado e, sentiu novamente o mesmo calafrio a veicular pelo seu corpo febril e angustiante, causado pela paixonite-aguda.
Quando de repente, não mais que... de repente, abre-se a porta, eis sua primeira paixão entrando com um "bouquet" de flores à moda francesa.
A vertigem rondou o imo d'alma da infeliz e impotente criatura, estendida sob alvos lençóis.
Esmaecido, quase fenecendo e emudecido, limitou-se a ouvi-la.
- Muito prazer, soube que seu nome é: Rubi Rubinato, e estando exultante de alegria por vê-lo prontamente restabelecido, entrego-lhe estas flores...
Educada, como sempre fora.
- Porém, não querendo causar-lhe nenhum constrangimento, espero vê-lo longe dessa cama...
Hortelã, sem mais delongas, despediu-se de Nato, sem ouvir uma só palavra do príncipe encantado.

O comércio ía de vento em popa:

As carretas antigas, não se detinham no tráfego, com garrafões refertos de vinho.
Eram transportados pelos famosos: G.M.C. Marítimos, F.N.M's, e, os Fordes da vida...
Algumas décadas atrás, eram puxados pelos carros de burros e mulas, e, conduzidos pelos fundadores das adegas, como eram chamadas na época.
Lá vinha Tinoco, o maior dos carreteiros, acompanhado de sua junta de burros e mulas com nomes peculiares: Amazonas, Azeitona, Euzébio, Zenóbio... e, com o veículo depauperado pelo bruxismo nos eixos, rangendo com som ensurdecedor.
Tinoco, com certeza fazia a alegria da criançada, quase toda... sua parenta.
Quando da sua volta ao vilarejo, vinha ele onusto de doces e balas a distribuir aos seus amados sobrinhos e primos, das primeiras letras.
Em se falando das primeiras letras, era ele, Tinoco que, ministrava as primeiras letras aos garotos e, teve a grande alegria de ver muitos deles formados pelas universidades do mundo afora.
No casarão de Tinoco eram dadas as festas, onde reuniam-se dezenas de parentes e alguns selecionados amigos. Mandatários eram todos, haja vista que, para se eleger um político terça-se de escolher um parente, posto que, a miscegenação daquele povoado passava de largo.
Hortelã, era uma prima lá... de terceiro grau, mas, ainda assim, ostentava a consangüinidade do clã.
Nato, nem se fala, este era de puro sangue.
Nele respeitava-se uma linhagem genealógica refinada.
Mas, voltando a Tinoco em suas grandiosas festas, onde presentes estavam, postados os líderes da cidade mais próxima, faziam-se entre eles conjeturas a respeito de tudo, e as fofocas também corriam de boca em boca.
Nesta altura dos acontecimentos, Nato e Hortelã ainda não tinham vestidos este corpo pesado e incômodo de se movimentar, ou seja: não haviam nascidos.

CAPÍTULO II

ZÉ PRETINHO CANTOU

Tinoco tinha sete filhos, a quem dedicava-se de corpo e alma, dava-lhes a sua vida, para se ser mais claro.
E... Zé Pretinho cantou!
Seus três filhos mais velhos saíram à noite rumo à uma das festas juninas na cidade.
A tristeza estava para solapar o coração de Matilde, mãe zelosa e, esposa exemplar que era de Tinoco.
E... Zé Pretinho cantou novamente!
Tinoco andava pela casa, orando em pensamento, para que seus queridos filhos fossem guardados pelos santos a quem devotava sua fervorosa fé católica.
E... o galo preto, alcunhado de Zé Pretinho, cantou!
Tinoco há muito já não bebia mais seus vinhos, por problemas de saúde, pois, a hipertensão já estava causando-lhe mal, bem como o seu diabetes estava nas alturas.
O seu relógio antigo de parede marcava enfaticamente vinte e quatro horas, quando subitamente:
O galo preto cantou!
Os maus presságios avassalaram a mente de Tinoco que, desesperadamente foi à cozinha, onde Matilde estava sentada sobre o fogão-à-lenha esquentando os cansados e antigos pés:
- Matilde, zé pretinho cantou!
- Cantou exatamente à meia noite!
Na cabeça do casal passou como num filme, que eles nunca nem sonharam em ver:
" Pedro, antes que o galo cante por três vezes, tu me negarás!"
Palavras lidas pelo casal no amarfanhado Novo Testamento, que testemunhava a vida do grandioso Mestre Cristo Jesus.
Como numa película cinematográfica, arrebatados viveram os duros momentos de fragilidade do apóstolo Pedro ao negar o Filho de Deus.
E... Zé Pretinho tornou a cantar.
O vaticínio doloroso de amor paternal estava marcado!
Os velhos e cansados pais, agora, prevendo o que adviria, souberam entregar-se nas mãos maravilhosas de Deus Pai.
Simplesmente lançaram seus cuidados nas mãos do Criador e, calmamente aguardaram a chegada dos seus três queridos filhos.
Zé Pretinho continuava com a sua missão de arauto, dando seus avisos sinistros de mau agouro...
A cada canto esganiçado do galo preto, arrepiava-se todo o casal, preocupado com os acontecimentos.
Duas horas da manhã, ouve-se os passos compassados dos cavalos que, puxavam a carruagem, seus passos eram paulatinos, quase que parados.
Zé Pretinho canta novamente e, os velhos atônitos saem para receber seus filhos, mas, preocupados com o vagar da carruagem a aproximar-se.
- O que será que... pode ter acontecido, Matilde?
- Tinoco peça a Deus para nos proteger.
Zé, canta novamente...
Aquele impasse era triturador de corações, e para aumentar ainda mais a preocupação, notaram eles que, laivo de um líquido avermelhado descia pela madeira daquela condução macabra.
- Tinoco dos céus, o que pode ter acontecido aos nossos filhos?
Ao lume dos seus candeeiros, alumiaram o interior do veículo e, denotaram três jovens deitados com dois garrafões de vinho tinto espargidos sobre seus corpos a resmungarem:
- Zuzuuu beeem ?
Que traduzido para o português claro, quer dizer: - Tudo bem?
Grande foi o alívio dos velhos pais que, apossados de grande alegria choravam copiosamente, ao verem seus filhos sãos (porém, não muito) e salvos da possível hecatombe preconizada por Zé Pretinho.
Às vezes somos nossos próprios verdugos, martirizando-nos com nossos pensamentos criativos na antecipação dos acontecimentos.
A isso damos o nome de: Sofrimento por antecipação!
E às vezes de: Sofrimento duplicado!
Mas, a vida continuava...
O clã dos Rubinatos andava muito bem na prosperidade geral.
O negócio ia bem, mas, como tudo tem seu final, com o canto, ou não, do galo preto, Tinoco desencarnou, bem como Matilde, ficando seus filhos, dentre os quais, surgira um rebento: Nato.

CAPÍTULO III

A TRISTE DESPEDIDA

Após o restabelecimento alcoólico do nosso coo-protagonista, Nato - Hortelã encontra-se casualmente com ele, ao dobrar uma esquina, batendo de cara com seu grande amor e, o beijo foi fatal.
Nunca um desastre foi tão providencial, alucinadamente estavam vivendo um maravilhoso sonho sem palavras, simplesmente o amor era o senhor todo poderoso de suas condutas.
Mas, para que haja um equilíbrio nas vidas dos seres viventes, não poderia faltar um espectador à estapafúrdia cena...
Honorato, postava-se no outro lado da calçada, junto a vários amigos que, estupefatos e com seus olhos esbugalhados vislumbravam o grande acidente de esquina.
Hortelã, na subserviência ao seu amado, sem qualquer reação pediu a Deus que... cegasse aquelas visões.
Por grande sorte, naquele momento chega o sargento e comandante de Honorato, requisitando-o para uma ocorrência de extrema premência.
Na realidade, Honorato quis balbuciar alguma coisa e, o sargento foi enfático usando o já conhecido "slogan": Isto é, uma ordem!
Em nome do patriotismo e da sua farda, obedeceu a ordem desfechada com a máxima contundência militar.
Aquela despedida forçada a Honorato, foi muito dolorosa...
Não tendo sido diferente aos apaixonados... que tiveram de se retirar também, rapidamente.

CAPÍTULO IV

VITIVINICULTOR-MOR

Lá vinha, caminhando à sua vinha, o vinhateiro: Rafael, o patriarca e, de certa forma, caudilho do clã dos Rubinatos, quando avista o querido sobrinho Nato.
- Olá... Nato, tudo bem?
- Tudo em riba tio... e o senhor com o resto da turma?
Não houvera chance melhor para um aconselhamento com o guru Rafael que, por sinal era muito religioso e caridoso.
- Que bom encontrá-lo tio antes da pinguela, voltarei com o senhor... preciso pedir-lhe alguns conselhos.
Era um dia de feriado nacional e, ambos perambulavam pela mesma viela que era cortada pelo: Córrego das Onças, nome este, em alusão às onças pintadas que habitaram aquela mata atlântica.
Replica-lhe o tio:
- Nato, você está cheirando à hortelã!
- Tio Rafael, que povinho cruel... o senhor já está sabendo?
- Meu filho, a boa notícia anda, e a má... voa!
- Falando sério, o que você anda aprontando com mulher de soldado?
- Espere um pouco tio, até parece que minha tara é, por mulher de soldado - não é bem assim.
- Se você quer um conselho, terá de se explicar, Nato.
- Sim... tio, o que acontece é, o seguinte:
- Enamorei-me loucamente pela Hortelã, sem ter conhecimento de que era comprometida com Honorato que, por sinal é, um truculento soldado.
- Soube disto depois que já havia cometido meus desatinos, mas, em compensação estou a par de que eles não estão vivendo muito bem, tendo em vista que, às vezes ele aplica algumas sovas nela, julgando-a... uma meliante qualquer... coisa da sua pequena cabeça.
- Tio, o que está acontecendo é isso...
- Nato, vamos lá para o casarão, para conversarmos mais amiúde.
Partiram para o casarão, local onde começou toda a cepa da família Rubinato.
Um verdadeiro casarão, todo muito bem cuidado, realmente um patrimônio histórico, tombado pelo patrono Rafael, pessoa de ilibada probidade e, consequentemente respeitadíssimo.
- Quanta saudade sinto ao me aproximar desta varanda, onde passei a minha infância, junto dos seus tios e pai, Nato.
- É, titio... está vida é... muito ingrata - veja a minha situação de apaixonado e perseguido...
- Nato, agora é a minha vez de sonhar, deixe-me recordar das minhas mudas de hortelã.
O velho continua com suas recordações...
- Tia Noca, com seus bolinhos de carne... e, seus requeijões, ah! que delícia, eram...
- Desculpe-me, Nato, falemos da Hortelã.
Aquele casarão havia recepcionado velhos coronéis do passado, bem como, influentes políticos da época.
Dez quartos para hóspedes, cozinha de porte exacerbado, salão de jogos, salão de baile etc...
Portas e batentes, lavrados à machado, coisa de antanho, porém, serviço de mestre.
Realmente, Rafael sentia-se nostálgico quando ia até o casarão.
Agora, dois seres apaixonados, cada um à sua maneira: um, pelo presente apaxonante, outro, pelo que o velho já conhecia de há muito, o amor de uma mulher.
Rafael, viúvo octogenário, com sabedoria incomum pela experiência de vida, com espírito jovem, um garoto de dezoito anos, tal qual, seu sobrinho predileto: Nato.
Voltando ao tema: Hortelã:
- Sim tio, Hortelã... sabe qual a sua idade?
- Sim, perfeitamente, posto que, fui eu quem conduziu sua mãe à maternidade...
- Tem exatamente a sua idade, vocês nasceram no mesmo hospital e no mesmo dia, você não está a par disto, pelo único fato de Hortelã ter sido educada num colégio de freiras e, vindo morar há dois anos aqui nas redondezas.
- Honorato foi destacado para nossa região.
- Tio, como o senhor sabe de tudo isso?
- Sinto-me um guardião de todos vocês, posto que o meu amor, pretende ser cristão ao guardar o grande mandamento: "Amar o próximo como a mim mesmo".
- Portanto, sendo aposentado, dedico-me integralmente a todos vocês, querendo poupar-lhes situações constrangedoras.
- Tio, parece que isso não é procedente, desculpe-me, mas, o senhor levanta-se de madrugada e, é o primeiro a chegar na adega - além, de carregar a pecha de: O Vinhateiro-Mor da região, senão do país...
- Bem, voltemos ao seu problema de grande paixão, Nato.
- Tio, estou com medo de Honorato, ele tem fama de paladino do pedaço.
- Se você me permitir, irei ter com Honorato.
- Tio, não seria perigoso?
- Que perigo pode ocorrer a um velho que, está fazendo hora extra nesta vida?
Ficou combinado que Rafael intercederia pelo sobrinho junto a Honorato:

CAPÍTULO V

O ENCONTRO

Determinado dia, Rafael dirigiu-se à Cadeia Pública e, perguntou pelo soldado Honorato que estava de plantão.
Honorato foi lacônico com Rafael:
- Senhor Rafael, no momento não posso atendê-lo, estou de plantão!
- Muito bem, quando poderá me atender?
Marcaram aquele encontro na casa paroquial, local bem apropriado para assunto de relevada importância.
Chega o dia e a hora:
- E, aí seu Rafael?
- Honorato, você já pode imaginar o motivo da minha vinda até você...
- Não, não imagino, não.
- O assunto é muito delicado e, gostaria de conversar com bastante cautela, esperando a sua compreensão.
- Seu Rafael, por favor seja claro, pois, é assim que eu costumo agir.
- Bem... é sobre Hortelã, uma pessoa a quem eu vi nascer e, está sempre amparada pelo meu conceito de patriarca.
- O senhor foi claro demais, pensei que o senhor viesse aqui para outro assunto, mas, respeitando a sua idade digo-lhe para não se preocupar com essa situação. Pode informar ao seu sobrinho Nato que, nada tenho contra ele e, que está livre para conviver com Hortelã, sendo que, já nos separamos, pois, vivíamos maritalmente e não possuímos nenhum filho.
- Diga-lhe também, que cuide muito bem de Maria Hortelã, pois, de outra forma estarei em seu encalço para defendê-la.
O velho agradeceu ao soldado, despedindo-se muito feliz pela situação resolvida.
Agora sim, tudo resolvido, mas, nem tanto assim.
A notícia foi muito feliz aos ouvidos de Nato que, exultou de alegria.
Estava livre para viver com Hortelã, a deusa dos seus sonhos, mas, como nada pode ser perfeito, teve de enfrentar a tradição do tabu:
- Você merece coisa melhor - Hortelã já foi possuída por outro homem etc...
O amor falou mais alto, como é muito normal acontecer.
A vida em comum daquele casal, fora demarcada pelo amor do Cristo.
Hortelã concitara Nato a cuidar de crianças abandonadas, com seus velhos ideais monásticos.
O casal Hortelã - Nato, agora dedicava-se a cuidar de crianças de rua.
Fundaram um orfanato, cujo nome iluminava a lembrança do velho Rafael: ORFANATO RAFAEL RUBINATO.
Tiveram três filhos que cresceram e conviveram no mesmo orfanato.
Cuidavam apenas de cinqüenta crianças, dando-lhes de tudo como: comida, educação e saúde.
Ao iniciar o orfanato, tiveram de ir à cata de crianças de rua, na cidade grande.
Jovem Nato, aprendeu muito com essa missão de cuidar dos menos privilegiados da sorte.
Fizeram-se de pobres maltrapilhos para sentirem na própria pele o que é mendigar o pão.
Perambulavam sob o teto álgido de concreto poluído e tisnado dos viadutos citadinos.
Pasmos e atônitos ficaram com a maldade e a lealdade do ser humano.
Pela lealdade pode-se constatar sobre um pequeno-grande exemplo: Trindade, um ser humano de trinta anos de idade, sexo masculino, habitat - viaduto, cultura - engenheiro, vício - tabagista-alcoólatra etc...
Num determinado albergue, Nato fora pegar um prato de comida, mas, já não havia mais aquela preciosidade, qual sua surpresa, Trindade que ao receber a sua refeição, e que estava sendo a raspa de tacho, ao vê-lo naquela situação, prontamente dividiu o seu prato de comida com o ilustre desconhecido.
Ali mesmo, Nato e Trindade tornaram-se grandes amigos e colaboradores.
Nato adotou um garoto de trinta anos, Trindade, para morar e trabalhar no orfanato e, aprendeu uma enorme lição de lealdade humana, posto que, esta criatura muito fez pelas pobres crianças, deixando seus vícios e tornando-se um cidadão digno dentro da comunidade.
Agora, falar da maldade humana é até covardia, basta ver a renda do PIB mundial e, pegar uma ínfima parcela dela e acabar com toda a fome reinante no planeta.
- Precisa-se falar mais alguma coisa sobre a maldade humana?

CAPÍTULO VI

O CÓRREGO DAS ONÇAS

Lugar montanhoso e de clima temperado para frio, para quem vive num país tropical.
Local apropriado para o fabrico de vinho.
Este córrego dirigia-se para o interior de uma gruta, aliás, lugar turístico, pelas características naturais.
Um cidadão com o nome de "Hülle", um senhor respeitável, descendente de alemães, grande degustador de vinhos que, jamais dispensava uma cervejinha e, diga-se de passagem, até mesmo uma cachaça, visitava constantemente os vinhateiros.
"Hülle" tinha por profissão o cargo de cobrador, de uma multinacional ligada ao ramo da vitivinicultura, cuja profissão costumava-se intitular de: Agente Financeiro.
Como bom Agente Financeiro, era obrigado a usar terno e gravata, como mandava o figurino da multinacional.
"Hülle" era uma pessoa carismática, fumava charuto, mas, daqueles que mais parecia com cabo de vassoura.
Ostentava um peso de cento e trinta quilos e, tinha um metro e noventa centímetros de altura.
Lá vinha seu "Hülle", com sua pasta executiva, onusta de duplicatas e documentos mil, em direção à pinguela, sobre o Córrego das Onças.
Não se ficou sabendo por que cargas d'água, "Hülle" caiu dentro do córrego.
Naquela época do ano, o riacho costumava manter um nível de água de um metro, a um metro e dez centímetros, sem se considerar o barro natural, trazido pelo assoreamento local.
E, ficou patente que, "Hülle" despiu-se totalmente de cabo a rabo, ficou nuzinho da silva.
Tal qual à jibóia, espojava-se ao sol das onze horas da manhã, feito à hipopótamo, mesmo porque, seria impossível se fosse às onze da noite.
Hortelã no seu santo e amorável zelo pastoril, pastoreava suas holandesas com seus úberes de até doze litros de leite ao dia.
Cujas lactantes serviam na alimentação básica do orfanato.
Hortelã depara-se com algo montanhoso em sua frente, aquela coisa ridícula de pele alva, cantarolando em alemão.
Aos mesmo tempo em que, via uma terno cinza, uma camisa branca e uma gravata vermelha dependurados num galho de um Pinhé pindá, assim conhecido no meio matutino...
Hortelã, sem entender absolutamente nada, quis retirar-se sem ser notada, mas, ao voltar em sentido contrário, pisou num galho seco e, scrash...
Com o crepitar do ressecado graveto, "Hülle" assustou-se e, bradou em alemão, coisa que Hortelã jamais soube traduzir, mas, naquele exato momento passava pela viela, Camila, a mais fofoqueira entre os mortais e, vê estranhas visões, um alemão pelado, e Hortelã de braços erguidos pelo susto que levava.
Ah! mas, Camila foi cumprir a sua missão de propagar a maldosa versão distorcida dos fatos.
Chegando na adega, onde estava Nato, foi dizendo:
- Vocês não sabem o que acabo de presenciar...
- Bem, que desconfiava mesmo...
- A caridosa Hortelã, Semi pelada com um alemão pelado na pinguela, dialogando com ela em alemão.
Até acharam aquilo tudo, piegas e, tentaram descartar a conversa, mas, Camila foi incisiva:
- Vocês não acreditam, foi com aquele tal de "Hülle", do charuto fedido e grande.
Quando Camila pronunciou, charuto grande, ameaçaram rir, mas, Nato, tomou iniciativa e, correu para o local do "crime".
Não deu outra, ainda pegou parte do episódio, "Hülle" de calças nas mãos e, Hortelã retirava-se às pressas.
"Hülle", de roupas molhadas, tenta retratar-se e explicar o ocorrido, enquanto, Hortelã inibida retira-se.
– Seu "Hülle", sempre respeitei a sua pessoa, agora noto que... o senhor deu para aliciar mulheres casadas?
- Tenho testemunhas e, mandarei uma missiva, marcando uma reunião com a sua gerência, para resolvermos esta situação!
"Hülle" que, também era uma alma cristã e bondosa, pediu perdão e clemência a Nato, explicando que tudo não passava de um engano, mas, o ofendido foi contumaz na sua decisão e, muito incentivado pelas más línguas e, com apoio total de Camila redigiu e enviou a carta.
Alguns dias se passaram, e chega a resposta com a reunião marcada.
No dia da reunião, que se deu na megalópole que era a capital daquele estado, encontravam-se: a gerência daquela multinacional, Hortelã, Nato e Camila a testemunha.
O Vexame foi ímpar:
- Senhor "Hülle", o senhor já sabe perfeitamente do que vamos tratar nesta reunião... não sabe?
- Sim, perfeitamente doutor Euzébio!
- Então comecemos pelas suas explicativas, senhor "Hülle", já que a ofensa ao nosso cliente foi estarrecedora...
Coitado do seu "Hülle", calvinista e, presbítero de uma igreja protestante, apesar disto tudo não combinar muito com seus charutos cubanos.
Apoiou-se nas suas versáteis pregações evangélicas:
- Feito à apóstolo Paulo, sendo enfático:
Sou eunuco!
Foi tão veemente naquela frase que chocou seus ouvintes.
- Eunuco... "Hülle", afinal o que você está falando?
Doutor Euzébio até trocou o tratamento pessoal para com seu agente financeiro, tratando-o de você.
- Eunuco, sim senhor!
Qual a surpresa, quando saca do bolso do seu casaco um atestado médico, comprovante legal de sua inofensiva senilidade.
E completou:
- Único pecado que cometi foi o meu naturalismo infantil, ao secar minhas roupas que ficaram enxovalhadas com o barro do Córrego das Onças, local que jamais imaginei encontrar algum pé de hortelã.
Agora sendo sarcástico e neurastênico com tal difamação.
- Bem... senhoras e senhores, sinto muito, mas, não vejo fundamento para qualquer punição ao senhor "Hülle", funcionário exemplar... que está conosco há vinte anos.
Muitas desculpas foram pedidas a "Hülle", até porque, se condoeram muito com o estado sexual do homem de um metro e noventa centímetros de altura.
Camila, jamais deixaria passar tal situação batida, mesmo porque, fora repreendida na sua atitude de leva-e-traz, além, de sua índole, haveria de provocar a desforra...
Logo que chegaram em suas casas o acontecido foi disseminado pelos quatro cantos da terra, por Camila, é claro.
Grande lição: "Não julgueis, para não serdes julgados."

CAPÍTULO VII

O DISCO VOADOR

Orfeu, um dos Rubinatos, gostava de contar histórias.
Andava ele dizendo ter visto seres estranhos nas suas terras e, não somente isto, acrescentava que um dos seus empregados havia sido abduzido por um Objeto Voador Não Identificado e, que havia sofrido cirurgias feitas pelos Extras Terrestres...
Realmente... alguma coisa inexplicável acontecera com Tico, trabalhador do sítio, especialista em conservar o vinhedo de Orfeu, que por sua vez não podia deixar de ser vinicultor também.
Andou sumido por quinze dias consecutivos e, retornou diferente, muito diferente.
Ressurgiu com uma cicatriz profunda em seu frontal, em sua testa... profunda cicatriz, porém, de sutura quase perfeita.
Ora... Tico era um homem inteligente, mas, sem cultura e, agora discorria sobre os humanóides com maestria de ufólogo.
Orfeu sempre falava sobre Tino e suas visões, mas, aquilo passava como se fosse uma gozação perante seus amigos e parentes, sendo que, Tino sempre viveu insulado em sua particular solidão.
Em seus comentários, falava com fluência refinada, dizendo de suas viagens interplanetárias pelas galáxias que distam dos pobres mortais, em bilhões de anos-luz.
E... que suas naves percorriam distâncias astronômicas, como exemplo: sessenta mil quilômetros por hora...
Ás vezes dissertava com rapidez descontrolada, como se tivesse sido apossado por algum espírito:
- Estive em Mercúrio-Vênus-Marte-Júpiter-Saturno-Urano-Netuno-Plutão etc...
E, por luxo, descrevia, respeitando escala cronológica, com autoridade de grande astrônomo, ou físico nuclear e, ainda acrescentava que, todos estes planetas do sistema solar estavam refertos de vidas invisíveis, portanto, literalmente habitados por seres...
Sempre repetia o óbvio:
- O universo é desmesuradamente infinito!
Disse, ter-se tornado amigo dos alienígenas e, falava em clonagem de terráqueos nos planetas que visitara.
Tino, falava em distâncias fenomenais, ao mesmo tempo em que, afirmava a atemporalidade:
- Que distância infinita pode haver entre um a dois segundos da nossa cronologia?
- Ou, matematicamente falando... entre uma a duas unidades, neste espaço, com certeza, poderá haver uma distância quase infinita para a viagem de uma partícula de um átomo, que indubitavelmente é, elemento vivo. Certa vez alguns homens cultos do local, reuniram-se na curiosidade de fazer laboratório com o inter galáctico Tino.
- Tino, fale-nos sobre suas visões...
- Visões não, pura realidade concreta!
Aí, Tino desandou a falar sobre tantas coisas, porque este tema é mais infinito do que o infinito.
Falou sobre a Via Láctea, afirmando que ela era canibal, engolindo outras galáxias, que porventura, distraidamente estivessem passando ao seu redor.
Falou sobre: buraco negro, enfim deu aula de cosmologia.
E, logo em seguida, passou a mão numa viola caipira e entoou várias canções de sua composição, deixando todos boquiabertos pelo seu ecletismo.
Interessante em tudo isto é: ninguém imaginava que um capiau, que vivia no seu recôndito mundo, dentro do mato, pudesse ser sincrético a tal ponto.
Onde aprenderá tanto?
Seria algum Dom latente?
Foram os extras terrenos... que o ensinaram?
Realmente aquilo era uma incógnita.

CAPÍTULO VIII

A MAGNÍFICA

Hortelã... era tataraneta de Marla, anciã de noventa e nove anos, saúde quase perfeita, lucidez absoluta, estatura miudíssima, olhos negros, cultura impecável, felicidade e alegria ímpar etc... etc...
A maga Marla, fora muito abastada, porém, no atual momento estava vivendo com muita simplicidade, bem como, nos áureos tempos dos casarios.
Seus filhos já não mais existiam, não conseguiram competir com a velha, nos jogos olímpicos da longevidade.
Teve sete filhos legítimos e, um de criação.
A disposição de Marla era algo assustador e deslumbrante.
A sua alegria transcendia a capacidade de julgamento humano.
Levantava às cinco horas da manhã, chovesse ou fizesse sol, tomava religiosamente dois banhos diários e, dormia inexoravelmente duas horas após o almoço.
Figura extremamente carismática...
Sua casa sempre foi visitada por pessoas de todos naipes sociais.
Ela nunca mostrou-se indisposta ou rabugenta com ninguém.
Muito pelo contrário, suportava muitos ranzinzas, zumbis, insípidos seres humanos que, não sabiam dar graças pelas suas existências.
Naturalmente iam a procura de suas orientações que, na realidade, eram verdadeiros ungüentos para tantas feridas abertas, pelas vicissitudes da vida de humanos.
Hortelã... era a Hortelã que era, pelo simples fato de conviver diariamente com Marla, até que... foi para o convento, onde demonstrou-se membro honorário daquela comunidade.
Agora é hora de mexer com o leitor, que se pergunta:
- Por que Hortelã deixou o monastério e o hábito?
- Bem, logo falaremos sobre isso!
- Você já imaginou se, pararmos agora... com a magnificência do assunto: Marla?
A magnifica maga, dormia rindo, seu coração era constantemente aberto para receber os menos favorecidos pela vida.
A sua presença contagiante, seu halo astral, sua aura energética, possuidora da cura d'alma e corpo-matéria, atraía toda sorte de humanos.
Nunca cobrou um centavo por seus favores.
Aliás, os favores limitavam-se apenas na visitação que lhe era feita pelas pessoas e, este assunto nem sequer era aventado, "simplesmente visitas de cortesia", mas, sutilmente a presença de Marla se fazia necessária àqueles corações conturbados pelos reveses que sofriam.
Marla, tinha plena consciência disso... porém, agia com a maior naturalidade, sem fazer a clássica pergunta:
- Que bom vento vos traz até aqui?
Sua fantástica educação, no sentido literal da palavra, sua nobreza instigante, sua atenção avassaladora, sua autoridade calcada na tranqüilidade de poder hipnótico, eram pára-raios de dores alheias.
Sua consciência de ser, com elevada evolução espiritual era benfazeja aos seus semelhantes.
Quantas orientações, Hortelã absorveu de sua mais nobre amiga e vó, como carinhosamente a tratava?
- Vó Marla, conheci um jovem da minha idade e... nada mais é necessário dizer... né!
- Hortelã, te amo profundamente e, apenas te digo que, o amor é algo transcendental, que não podemos entender. - Você com certeza já ouviu falar em: almas gêmeas.
- Sim vó, já ouvi!
- Rememoremos então, alguém adquire débito com alguém e, peremptoriamente haverá de se encontrar em retorno mágico, através do maior atrativo que conhecemos e que denominamos de amor, para o respectivo resgate cármico.
- Seria o meu caso vó, o de reencontrar com Nato Rubinato?
- Nato seria, por acaso.... o filho de Ambrósio Rubinato?
- Sim, vó!
- Sabe que, a beatitude de seus pais era muito grande?
- Sim vó, eram muito católicos.
- Talvez explicar esses assuntos esotéricos ao querido Nato, não o faça entender, posto que, possa ab-rogar tais conceitos.
- Mas, voltando ao seu amado, seja feliz com a sua companhia, através da sua ilibada honestidade, pois, esse encontro jamais foi por acaso.
- A maga Marla, era formada em medicina, fato que, muito pouca gente sabia.
E... nunca parou com sua pesquisa, estudando diariamente em sua casa, porém, há muito, não mais medicava.
Este fato merece explicação: Marla formou-se em uma universidade e, com graduação no exterior, medicou por apenas dois anos.
Por abnegação especial, deixou a medicina convencional e, vindo morar no clã dos Rubinatos, praticava também a medicina espiritual, podendo até ser chamada de medicina psicossomática.
Jamais mencionou este fato hipocrático a ninguém.
Quando alguém perguntava à ela, sobre sua sapiência, ela simplesmente desconversava, não dando seqüência ao assunto.
Às vezes justificava dizendo, nada faço sem ajuda imperiosa de Deus, se é que... faço.
Atualizadíssima dos dias atuais, respondeu a famosa pergunta que lhe fizera Hortelã.
- Vó... você como uma pessoa muito erudita e versátil em muitos assuntos, responda-me por favor:
- Deixou a medicina... por quê?
- Mostrarei a você minha querida neta que, jamais abandonei a medicina!
Dando aquela resposta, levou-a para um lugar quase desconhecido pelos mortais, um compartimento da casa.
Hortelã ficou extasiada, e quase estática, balbuciou:
- Que loucura vó, o que significa tudo isso?
- Minha filha, deixei a medicina dos homens, mas, nunca deixei a de Deus, isto aqui, que você está vendo é, o meu laboratório desde há cinqüenta anos.
Aquela visão à Hortelã foi inusitada e recheada de alegria.
Era um laboratório-biblioteca, uma área de trezentos metros quadrados no subsolo do casarão, com livros medicinais raros e caríssimos e também os mais atualizados, dentro da contemporaneidade da época.
- Vó, não consigo entender porque você deixou a medicina convencional nos centros urbanos, para viver insulada aqui no campo.
- Não acha um desperdício de talento?
- Nesta vida de pobres mortais, existe um sistema muito maldoso, pois, na minha época já existiam os carniceiros e açougueiros que, faziam da medicina um grande comércio, enriquecido com a desgraça da saúde pública.
- Por estes motivos sou chamada de bruxa, por praticar curas e, olhe que não exerço a profissão ilegalmente, sou médica, com especialização... no exterior do país, registrada no conselho de medicina e ainda... pago meus impostos e, não me lembro de ter cobrado por uma receita sequer durante este período em que, vim viver neste lugar abençoado por Deus.
Só uma coisa ninguém sabia explicar, como conseguia guardar o segredo da sua biblioteca. Tampouco, como sobrevivia Marla... nunca aceitando donativos, muito pelo contrário, doando-se inteiramente ao próximo.
Alguns falavam que, Marla herdara uma mina de ouro e, que apesar de ser lesada em sua fortuna, ainda sobrava-lhe muita grana.
Falou-se até em brilhantes e diamantes.
Conjeturas apenas, na realidade... Marla foi um dos poucos luminares que, ninguém explica neste plano terreno.

CAPÍTULO IX

ASCENSÃO DE HORTELÃ

Quando do seu translado, Marla chamou Hortelã e, pediu a ela que a substituísse em sua missão de bondade.
Hortelã relutou, se achando incapacitada para missão tão nobilitante, mas, como já era moldada para o amor ao próximo, deu seqüência ao pedido de Marla.
Nato cooperava sobremaneira com Hortelã na configuração do seu altruísmo.
Hortelã auto-conjeturava-se, em como dar continuidade ao trabalho insubstituível da matrona maga...
Certa noite sonhou e, encontrou-se no orfanato com suas cinqüenta crianças e, Marla lhe enfatizava: - Somente cinqüenta, porque você não poderá salvar o mundo, portanto, cuide dessa cifra, consciente de que a qualidade fala mais alto que a quantidade.
A biblioteca de avó Marla, não precisou nem sequer mudar de endereço, tendo que, o casarão de oitocentos metros quadrados serviu para abrigar as crianças, com algumas reformas, é claro.
Bem, na realidade... com o tempo os livros e outros objetos foram para: Biblioteca Municipal Doutora Marla, em homenagem àquela que, no anonimato fez muito pelo próximo, porém, agora reconhecida como esteio daquela sociedade.
Hortelã palmilhava pelo caminho do bem, agora na sua ascensão espiritual, desvencilhada da vaidade humana.
Hortelã tinha uma virtude a mais, que atrapalhava seus passos: gostava profundamente de animais, além dos seres humanos.
Nato às vezes perguntava:
- Hortelã, você me deixa preocupado com tantos gatos e cães, que arrumou para cuidar, além dos nossos cinqüenta filhos, onde acharemos tanto tempo para tal filantropia geral.
- Nato... meu amor, se você soubesse como tenho lutado para me fazer serviçal dessas adoráveis criaturas, sem me afetar no comodismo, você nem imagina...
- Explique-se melhor, meu bem.
- Você é uma pessoa inteligente e de coração nobre, portanto, pode rivalizar os animais com as crianças, e ver perfeitamente que eles não pedem, não reclamam, são extremamente fiéis aos seus donos, portanto, não requerem de cuidados especiais.
- E os serviços que nos prestam é, de imensurável valor. Haja vista que, eles sentem e vêem aquilo que nos humanos não percebemos, sendo assim, estão sendo receptáculos até dos maus olhados em forma de energia negativa que outros maldosos humanos nos emanam.
- Hortelã, você tem razão, pois, a sensibilidade do cão é realmente incrível. Se a gente espancar o cão de estimação, logo em seguida ele virá festejar o seu verdugo com o mais sincero afeto.
- Então... entende agora o porquê do meu dia agitado?
- Apesar deste assunto, jamais devemos esquecer do ser humano, somente pelo fato comodista na prestação do bem.
- Cuidar de seres humanos é, realmente o maior de todos os privilégios, sendo que, os grandes luminares da humanidade doaram-se em holocausto pela humanidade.
- Querido Nato, o amor suplanta todas as dificuldades, até mesmo a morte, eis que, nosso Mestre Maior deu sua vida no lenho do madeiro, para nos dar vida, Jesus o Cristo.
Hortelã crescia em graça evolutiva, diante de Deus.
Milagres começaram acontecer... Quando Hortelã, dedicou-se de corpo à sua missão de socorrer os necessitados, começou adoecer rapidamente.
Dores avassalavam seu corpo, dores crônicas começaram impedir seus movimentos.
E agora?
Com tantas crianças e animais que precisavam dela, e, inanimada, pensava nos próximos acontecimentos.
O que estava acontecendo com Hortelã, era tão somente acúmulo de energias, teria agora de socorrer-se de outra sabedoria, a etérica, mas, não tendo este conhecimento... o sofrimento acalentava o seu ninho, no seu tabernáculo, o seu corpo.
Leonardo, velho contemporâneo de Marla, ainda vivia e era um iluminado na ciência oculta de orientar esses caminhos.
Para lá tocou Hortelã à casa do velho Nardo, grande bruxo que, já antevia por suas projeções astrais a vinda da bem-aventurada criatura de coração puro e alvo como a neve.
Ao se aproximarem do casebre, Nato e Hortelã, ouviram uma voz muito suave a lhes dizer:
Bem-vindos meus queridos conservos, Nato e Hortelã, já os esperava para mais uma missão.
O casal, extasiado e intrigado pela fala do ancião, conjeturaram-se:
- Como essa criatura sabia da nossa vinda e, dos nossos nomes?
Apesar de casebre, o local era extremamente limpo, os talheres do bruxo eram qualquer coisa de extraordinário.
O velho ainda era praticante de hata-yoga, com sua saúde perfeita, que lembrava muito: avó Marla.
Estava sentado na posição de lótus, sua silhueta era esguia, seus cabelos, mais brancos que a cal, sua túnica, resplandecente, sua voz doce e mansa, com sorriso de amorável criatura que somente fazia o bem.
- Hortelã, exorcizaremos suas dores, com uma proposta apenas, que virá a entender rapidamente, porém, terá de ter mais tempo para o sortilégio que recebeu para resgatar seu carma aqui nesta vida.
- Estou constantemente com Marla, aquela que lhe ensinou alguma coisa sobre almas gêmeas.
- Ensinar, cura com mais proficiência do que a cura propriamente dita, posto que, quando cura-se a alma, cura-se concomitantemente a doença do corpo denso e viscoso.
- Vocês viajaram quatrocentos quilômetros e, chegaram a este lugar bem insulado, pois, sendo anacoreta, porque esta é a minha missão, doravante serão mais profícuos nas suas ações de praticar a caridade.
Daquele momento em diante, o casal teve outro estímulo psicológico para viver a vida de santimônia.
A ascensão oculta e interior de Hortelã, foi muito grande, tornou-se mais dócil e amorável... que outrora.

CAPÍTULO X

A BRIGA PELA CAUSA NOBRE

Hortelã tinha mesmo, verdadeira adoração por animais.
Certo dia, quando passava por uma rua da cidade deparou com o caminhão da prefeitura, aquele que carrega laçadores de cães "vadios".
Hortelã, apesar da sua meiguice, não se conteve naquele momento, Jairo o barnabé, que era uma pessoa amiga da sua família, laçara um cachorrinho que, esperneava aos uivos na tentava escapulir.
Aquele laço era trançado com tentos de couro cru, com quatro malhas e, muito resistente.
Aliás, diga-se de passagem, laço fabricado por Juquita, o maior celeiro da cidade.
- Ora, ora... celeiro de romeiros famosos, no fabrico de celas, cabrestos e outros que tais.
O velho Joaquim, aposentado da antiga ferrovia, sentado na porta de sua casa, para se ser mais preciso, na calçada mesmo, como era o costume de tempos em que, não existiam bandidos, ladrões e facínoras. Picava fumo com seu canivete de importação sueca e, sendo ferramenta sueca, dá para se imaginar o aço que era.
Hortelã chega sorrateiramente e, numa distração qualquer do velho Joaquim, toma-lhe a cortante arma branca e, corre em desabalada aflição até o cãozinho.
Numa volúpia sem igual, decepa o laço, libertando o pobre animalzinho.
Aquilo, para Jairo, sem dúvida era desacato a autoridade.
Agora a confusão está generalizada.
Jairo, iracundo, tomado de desequilíbrio voluntarioso vai para cima de Hortelã.
Nato compra a briga de sua amada, interpondo-se entre ambos, apesar dos pesares, Hortelã foi imbuída de virtude espiritual, concedida pelo seu mentor, lançando o canivete longe do local... num terreno baldio, pediu calma e moderação...
Chega a polícia e, todos vão para a delegacia.
Preparam-se para a devida ocorrência policial.
Na elaboração do boletim de ocorrência, Jairo contundentemente insiste que foi execrado em sua autoridade de laçador de cães.
Chega também o prefeito que, para variar era parente do escrivão que, era primo- irmão do delegado.
Sobrou Jairo que, veio a saber naquele momento que, era primo em terceiro grau de Hortelã.
Resolveram arquivar qualquer assunto... que porventura viesse denegrir a imagem familiar...
Porém, Hortelã, naquele dia estava com a macaca, e começou a espicaçar o prefeito.
- Carlito, quem você pensa que é... para querer acabar com o Orfanato, mandando seus fiscais de higiene, para nos autuar?
- Josina a sua "Primeira Dama", que... na santa hipocrisia de seu cargo de confiança, criado para fazer caridade... pensa que tem o rei na barriga, nunca visitou o Orfanato...
- Talvez, agora que, faltam alguns meses para as eleições, vocês tornem-se muito caritativos no interesse de angariar votos.
Hortelã estava transtornada com o ocorrido aos cachorros de rua e, tascou mais essa:
- Vocês homens públicos, são muito bons para prender e sacrificar animais, mas, não cuidam dos desafortunados indigentes, e inocentes humanos...
- Aproveitando tantas autoridades presentes, quero intimá-los para que, possam resgatar um pouco de suas maldades, no auxílio aos nossos meninos necessitados de agasalhos e alimentos.
Hortelã rasgou o verbo, falou e desabafou por todas as ofensas que guardara por muitos anos de vida, em seu âmago.
Aquela família... era mesmo ímpar.
Após tanto falatório, Carlito, político bico-doce, colocou panos quentes naquele bafafá e, foram jantar, todos... no mais requintado restaurante da cidade.
Cuja despesa ficou por conta do prefeito que, arrumou um jeito de comemorar qualquer coisa com respeito ao orfanato.
Hortelã, muito sutil, se fez de trouxa para angariar nome, e por conseqüência, fundos aos seus queridos meninos.
A turbulência passou, os ajustes foram feitos e o orfanato foi melhor conduzido, após, aqueles entraves com as autoridades.
Moral da história: "Deus escreve direito por linhas tortas."
Nós, pobres mortais, não sabemos nada sobre os desígnios de Deus.
Deus poderia em um passo de mágica, mudar tudo e todos, mas, por causa da nossa ignorância profunda, sempre usa de recursos mais corriqueiros, como se fossem metáforas... para que entendamos.
Haja vista que, o grande mestre Jesus, quando esteve por aqui, não se cansava de metamorfosear parábolas, para que, os doutores e autoridades da época pudessem assimilar alguma coisa do reino dos céus e também da terra.
Apesar dos esforços metafóricos e divinos, não se apiedaram pregando-O no lenho da cruz.
E, Ele ainda assim, se fez humano, mais uma vez dizendo em metáfora:
Pai meu, Pai meu, por que me desamparastes?
Que fique bem claro aqui, que nada consta nestes relatos, que possa desabonar Maria Hortelã... diante da atitude de Jesus que... ao entrar no templo, açoitou mercadores que, negociavam seus produtos dentro daquela sinagoga.

CAPÍTULO XI

O AUXÍLIO

Onofre, caiu na gandaia...
Onofre: "O Rabo De Saia"...
Cheio das mumunhas, este personagem era realmente lascivo e libidinoso.
Sucessor de seu pai, por ser o primogênito, cuidava de sua adega: "Vinho Verde".
Vinho Verde, prosperava consideravelmente com bela produção.
O fetiche de Onofre era concentrado em mulher casada.
Enamorou-se pela esposa do magistrado, o juiz de direito da cidade... Naturalmente que, houve reciprocidade, pois, Marli também, não era flor de se cheirar... mas, conivente integral com a concupiscência de Onofre.
Sua excelência, doutor Celestino, era homem duro em seus veredictos... passava até por impiedoso.
Trazia seus filhos chinchados em seus preceitos.
Ciumento sem quantia, porém, devido a sua profissão de pretor, era cauteloso em suas palavras, portanto, cheio de não-me-toques.
Extremamente orgulhoso em sua vaidade de autoridade máxima, quase arrogante.
Quanto estava dentro de sua toga, era um deus intocável...
Considerava o adultério um crime hediondo em seu particular julgamento. Adepto incondicional da pena de morte...
Em sua crueldade, muitas vezes viu-se viúvas perderem tudo o que possuíam, inclusive seus bens de extrema necessidade, empenhorados pelas mãos de inescrupulosos advogados, na infeliz ousadia de tomar dinheiro dos menos favorecidos da sorte.
Contavam-se histórias cruéis a seu respeito... como esta:
O ex-estivador João Pedro, homem honesto e respeitado, trabalhou a vida toda para formar o filho, que agora era o poder judicial da então cidade de interior.
Quantos navios foram carregados pelo herói do anonimato, João Pedro, no transcorrer de trinta anos, até que... este veio perder a saúde em seu árduo trabalho aduaneiro.
O algoz-juiz em conluio com a esposa, não suportaram a convivência com um velho alquebrado pela vida, cambaio e quase inepto pelo grande pecado de trabalhar, doando-se em amor à família.
Chegaram à mais triste conclusão de: internar o velho num asilo da capital, bem longe de todos, pois, João Pedro enxovalhava o nome da excelentíssima família magistral do juiz...
Graças sejam dadas à providência divina, João Pedro sobreviveu apenas por dois dias de asilado.
O féretro foi feito no próprio asilo, e o corpo conduzido ao cemitério mais próximo.
Assim passa a vida de um herói trabalhador, que formou filhos, que fez muita caridade e por fim teve como descanso somente dois dias num asilo público.
Agora, o meritíssimo intocável, estava sendo traído pela sua amada que, tanto insistiu na internação do velho João Pedro no asilo público.
Envergonhara-se de um grande pai, o estivador João Pedro, e agora... sua digníssima esposa, mãe de três lindos filhos?
Onofre Rubinato, estava desmentindo o respeitoso clã. Amancebava-se descaradamente com Marli, a "pudica" dama da alta sociedade.
Com o tempo a cidade toda ficou sabendo das orgias de Onofre e Marli, que promoviam festas em alto estilo devassador, no sítio do amante.
O uso de drogas era assustador naquelas reuniões.
Simplificando... Hortelã entra agora no auxílio de todos eles.
Onofre aparentado de Hortelã, via-se em palpo de aranha, emaranhado em sua teia, desabafou com a parenta:
- Hortelã, sei de há muito que, você é extremamente religiosa e... através dos oráculos responda-me: como me sairei desta situação na qual me encontro?
- Que situação? - fazendo-se de desentendida.
- Não seja tão delicada, você bem sabe... e a cidade toda também.
- Seria sobre o seu concubinato com Marli?
- Sim... sim...
- Onofre, somos seres humanos refertos de vícios e, somente Deus poderá aparar nossas arestas.
- Bem, Hortelã, estou numa situação tão periclitante que... nem Deus poderá me salvar.
- Cuidado com suas palavras, Onofre, não seja blasfemo.
- Você bem sabe, lá do imo d'alma que, Deus tudo pode!
- Seja humilde e entregue seus cuidados a Deus em autocomiseração e, verá que, Ele o livrará.
- Você terá um preço a pagar pela sua imprudência ao coabitar com Marli, pessoa de alto pedigree nesta cidade.
- Vou dar-lhe um conselho: vá urgentemente para o sul onde você tem terras produzindo uvas, fique lá por um bom tempo, até que a poeira abaixe.
Onofre humildemente seguiu o conselho de Hortelã e no sul foi morar, pois, era viúvo e, não detinha nenhum filho, para sua sorte.
O magistrado sofreu um atentado de morte, pelo ciúme que lhe causou Marli, pois, viu-se atrelada a outra funesta aventura com Juarez... um mau caráter.
O juiz foi transferido para outras plagas, levando consigo o seu maior "troféu: Marli"...
Resumindo, Onofre entregou-se à obra de filantropia, lá no sul, enquanto seu irmão cuidava da "Vinho Verde".
Até que, um belo dia, após dois anos e meio de refúgio, volta para o seio dos Rubinatos, totalmente modificado. Agora chegou para prestar auxílio ao Orfanato Rafael Rubinato, tornando-se um eunuco pela sua própria opção, inspirado no agente financeiro: "Hülle".


CAPÍTULO XII

A SÍNCOPE

Numa noite de São João, logicamente no mês de junho, fazia frio sobremaneira.
Hortelã gostava muito de caminhar, não importando se fosse noite ou dia, escuro ou claro, era destituída de medo e, sempre dizia que era muito bom praticar o amor ao próximo, porque, quem tem esta capacidade, jamais teme, posto que, Deus é amor, portanto, sendo o soberano de tudo nada pode lhe afrontar.
Os fogos de artifícios ribombavam lá na quermesse, a festa estava pegando fogo, a alegria era desmesurada.
Hortelã, que não era muito afeita à tais comemorações, porém, foi movida de incontido desejo de participar daquele fandango.
Vinte e uma horas, marcava o relógio de fabricação alemã, dependurado na parede da sua sala, conhecido por carrilhão, quando Hortelã dirige-se à quermesse.
À pé, como gostava, andou aproximadamente mil e quinhentos metros pela estrada de chão batido.
Estava um breu o caminho, a escuridão era desoladora, quando, Hortelã ouve um gemido, era um gemido horroroso de alma penada.
Hortelã, dirige seu pensamento a Deus e, pára apreensiva.
- Quem está aí?
- Responda, por favor.
Um novo gemido se fez ecoar, como se algum espírito em grande sofrimento estivesse a lhe pedir ajuda.
Hortelã, corajosamente começa adentrar-se à mata.
Passara grande parte de sua vida por aquele caminho, mas, a natureza não pede passagem, fazendo vingar todo o tipo de restinga e árvore, onde o homem lhe concede liberdade...
De modo que, tornara-se qualquer coisa estranha e desconhecida, mesmo porque, a negritude que o tempo criara era grande.
Caminhou alguns passos, e ouviu algum resmungo.
Aproximou-se mais, e o murmúrio continuou...
Era uma voz embargada, pedindo socorro.
Hortelã, já beirava seus trinta anos de idade, com seus: metro, e oitenta centímetros de altura, pesando seus oitenta e cinco quilos, mulher parruda.
Decidida achegou-se mais ainda do vozeirão rouco e:
- Quem estiver aí, pode ficar sossegado que, não tenho medo... e, se estiver precisando de alguma coisa, pode pedir.
Aconteceu que, Hortelã havia saído com o dia claro e havia chegado na casa de sua tia Clara, que distava do acontecido, apenas cem metros - quando notou que havia deixado as pilhas de sua lanterna.
Não querendo molestar sua tia, não aceitou veementemente qualquer ajuda neste sentido.
Perguntou o nome da suposta alma perdida:
- Como se chama?
- Josino! - resmunga a voz.
- Seria o primo Josino?
- Quem está aqui é Hortelã...
Agora a aflição ainda foi maior, o espírito começa a chorar e pede realmente socorro e, de certa forma Hortelã acaba por reconhecer aquele que era seu primo Josino.
Botou Josino sobre os ombros e foi bater na casa de tia Clara.
Josino havia enchido a cara e, meteu-se a voltar sozinho para casa e sofreu uma síncope.
Internaram Josino a quem foi diagnosticado infarto do miocárdio e, quase bate com as botas.
Agora Josino, que não tinha tantos recursos, ficou a mercê da sorte, porém, Hortelã por ser diretora do orfanato tornou-se muito conhecida nos meios médicos e, a tudo providenciou.
Josino que, já admirava Hortelã, agora tratava-a como uma prima-deusa.
Hortelã parecia nada precisar desta vida para si, a não ser... de tudo para o seu orfanato.
Concentrava-se totalmente no altruísmo, agora... com a benemerência de Josino.
Aquela ajuda prestada ao primo Josino... configurou-se um milagre, posto que, em tais condições de socorro isso seria impossível, tendo em vista que, ao enfartado não restou nenhuma seqüela.

CAPÍTULOXIII

O TUGÚRIO DA PAMONHA

Traduzindo, este palavrão quer dizer: O Rancho Da Pamonha...
Seu proprietário, um gentio, pois, não pertencia ao clã dos Rubinatos.
Júlio, sendo um acadêmico cansado de professar o sacerdócio do magistério, e não perdendo a mania, usou o direito onomástico de batizar o que poderia ser: casebre, rancho... de tugúrio.
Pois bem, no início de seu comércio, como doutor Pamonheiro, sim... doutor, pois, era defensor de tese em zootecnia, ou, coisa que o valha... Júlio, na realidade andava cansado da vida, excedia em seus "drink's", até perder as estribeiras, magoando e maltratando a família.
Mas... que família?
Fora casado e divorciado por três vezes e, era proprietário de meia dúzia de filhas, proprietário sim, tanto que, fora abandonado incondicionalmente por todas as mulheres que, surgiram em sua vida, inclusive a sua genitora.
Miserável que... era de doer.
Comia até as unhas.
O que mais reclamava era das pensões que tinha de pagar judicialmente às suas ex-vampes valetudinárias, como gostava de chamá-las, ou seja: traidoras e doentias.
Chamava-as também de: alcoviteiras, que mais uma vez significa: mexeriqueiras, fofoqueiras etc...
Assim era o doutor e, na sua vaidade, exigia que qualquer campônio que se aproximasse do seu tugúrio de pamonhas, o trata-se como tal.
Tornou-se uma criatura petulante diante dos humildes roceiros que, desciam de algum caminhão de bóia-fria e, como haveria de ser natural, iam se alimentar das suas pamonhas, que por sinal, eram esplendorosas no seu sabor.
Era execrado pelas filhas... que, não suportavam seus solfejos desafinados com a esmerada educação que deve ter qualquer professor acadêmico.
Pois, quando queria o silêncio da família, simplesmente levantava os braços, espalmando as mãos, e num gesto contundente fechava-as, como um maestro a encerrar a regência de uma orquestra.
Júlio já tentara até o suicídio...
Mas, por sua grande sorte veio a conhecer Hortelã.
Certo dia, chega Hortelã para experimentar a fama do suco de milho verde do velho e ranzinza doutor Júlio e:
- Bom dia senhor...
- Como vão os negócios?
Aí vem a resposta de Júlio:
- Para início de conversa, chame-me de doutor!
Para Hortelã, aquilo não passava de uma simples brincadeira e, continuou:
- Doutor...
- Doutor Júlio!
- Pois bem, doutor Júlio, queira-me servir uma omelete.
- O senhor deve ter ovo?
- Não minha senhora... tenho ovos!
- Que bom, então o senhor faça-me uma omelete com um ovos, por favor!
Bem, Júlio parece começar a entender a gozação que lhe fazia Hortelã.
Logo em seguida o professor lhe dirige a palavra e faz a pergunta:
- A senhora quer um omelete com cebola?
- Por gentileza a minha omeleta pode ser sem cebola!
Júlio começa a ficar nervoso com a sutil correção que lhe fazia Hortelã e, partiu para um palavreado esquisito, porém, a sábia cliente sabia tudo...
- A senhora queira-me desculpar, mas, omelete com um ovo apenas me parece um tanto estapafúrdio...
- Doutor, apesar de lhe parecer esdrúxulo, é assim que desejo degustar a minha omeleta!
Hortelã apenas, queria ganhar mais aquela nova amizade, de alguém que estava necessitado de ajuda espiritual.
O assunto foi tão amistoso que, prolongou-se por mais duas horas ali no tugúrio do doutor Júlio.
Júlio agora, que havia abandonado sua vida de livre docente, teria de viver com o que ganhasse com suas pamonhas e outros salgados que se fizessem necessários.
Mesmo porque, já não mais, pagava as pensões às ex-esposas.
Suas filhas já tinham vidas próprias.
Júlio certa vez se viu estressado, a ponto de querer ardentemente morrer, mas, Hortelã a Enviada, mais uma vez deu guarida em seu coração à tão "desprezível" criatura.
E, escreveu-lhe uma mensagem:

Ao meu querido e amado Júlio, no amor de Jesus, dedico este currículo:

PROCURA-SE COLOCAÇÃO

CURRICULUM VITAE

NOME: Jesus Cristo de Nazareth
SEXO: Dos anjos...
ALCUNHA: Alfa e Ômega
FILIAÇÃO: DEUS
PAIS ADOTIVOS: José Carpinteiro e Maria Virgem
RESIDÊNCIA: Estrada da Vida Eterna
FORMAÇÃO: Cosmologia do Amor: Ph.D. em física-matemática-bioquímica, e outras ciências e artes.
EXPERIÊNCIA: Salvar almas, através do Amor.
PRETENSÃO SALARIAL: Sua atenção
REPARTIÇÃO: Seu coração
OUTRAS ATIVIDADES: "Somente estas... quase não sei fazer mais nada..."

Universo, princípio e fim

___________
Jesus Cristo

Considerações:

Soubemos que, o candidato é predecessor de "Copérnico, Marconi, Newton, Einstein, Platão, Sócrates, Leonardo, Lavoiser" e que, destes e outros, foi Mestre...
A eles e a toda a humanidade, está disposto sempre a ensinar a cosmologia universal, através da simplificação da aritmética binária.
Explanando que toda a ciência atual e computadorizada usa simplesmente dois algarismo: um e zero - AMOR E PAZ - alfa e ômega, para se resolver um universo incomensurável de cálculos...
Com certeza, ensinou a "Platão" a geometria fundamental, na estética de "Leonardo" que, o universo é fundamentado nos vértices de partículas triangulares...
E... chegou a dizer a "Newton" que, seu Pai, segura com suas etéreas mãos, o planeta terra, para que ele não despenque... como uma simples maçã, ao nada.
A "Marconi", tomou um sino e o fez sibilar, tinindo em energia bioenergética, demonstrando perfeitamente que, o Amor vibracional atinge os confins do universo, à moda: telégrafo sem fio.
À inteligência do século, explicou algumas teses... da relatividade atemporal, desmedida de espaço.
Ao francês, que deu roupagem lingüistica à química, insinuou que ele teria muito a aprender ainda com a bioquímica.
Pois, teria de se transportar para novas dimensões biogenéticas se quisesse decodificar alguns resquícios da vida.
Porém, o que mais o nosso Professor Jesus tenta nos ensinar dentro do seu ecletismo é, o eletromagnetismo que todos somos e, que vibramos com força descomunal e, não temos consciência disto.
Agora é com você, AMIGO... quando vibrar suas orações com mais ênfase, dirá àquele monte que se transporte ao mar e, ele simplesmente o fará, através da vibração da fé.
As mensagens vibram em você que está transistorizado, joeirando as imagens, restando-lhe somente as benéficas que serão transmitidas através das vibrações energéticas do Espírito Consolador.
Vamos dar emprego ao doutor Jesus, na assepsia de nossas almas.
Em seu amor...

Quem diria, agora o doutor agnóstico, começa se nimbar de humildade e crença no amor.
O grande ímã, o chamariz para o amor era sem dúvida o orfanato e as crianças. Aquele ambiente era realmente um tabernáculo, habitat de evoluídas entidades espirituais.

CAPÍTULO XIV

O INSTITUTO ECUMÊNICO

Júlio, sofrera uma metamorfose fenomenal, caminhando para seu sexagenário natalino, modificou-se radicalmente, dando uma guinada de trezentos e sessenta graus.
Hortelã, sempre foi o pivô central dos corações na convergência ao amor.
Numa reunião na casa de Júlio, estavam presentes seis amigos religiosos e, conjeturavam sobre religiosidade.
Júlio defendia uma tese: "Ecumenismo."
Outros falavam sobre o calvinismo e outros catolicismo, espiritismo, ocultismo, parapsicologia etc...
Quando... entra Hortelã na conversa:
- Meus amigos, se pensarmos na verdade de cada um de nós, e nos apercebermos que, somos produtos do meio, com certeza seremos ecumênicos.
Agora... fala Júlio:
- Quem somos para arbitrarmos sobre a personalidade de cada um de nós?
Nilcéia dá seu parecer, enquanto o taciturno esposo, concentrado, contenta-se em escutar.
- Por que, ainda não pensamos em criar um instituto ecumênico, onde por certo, aplacaremos toda a ira dos fanáticos religiosos que, muitas vezes se matam na defesa do seu ideal?
Tomaram a sábia decisão de montar o instituto ecumênico.
- Precisamos arrumar um galpão para nossos estudos e palestras. - Fala Hortelã.
- Façamos no galpão desocupado lá de casa. - Diz, João dos Passos.
João dos Passos, era homem probo e de grande senso ético, portanto, era um conselheiro do clã, que agora adotara o doutor Júlio como membro.
Nato a esta altura, dedicara-se muito ao ocultismo esotérico, se é que se possa traduzir assim.
A maior façanha dessa comunidade, foi a união que conseguiram formar, já que, não se pensa exatamente igual.
Os líderes religiosos, apesar de se declararem ecumênicos, parece não terem gostado da idéia...
Mas, o instituto prosperou, a ponto, de Hortelã e Nato, e alguns outros membros do instituto viajarem até... ao exterior propagando seus ideais na universalidade do amor.

CAPÍTULO XV

A PRÉDICA DE HORTELÃ

O Instituto Ecumênico, era ecumênico literalmente, abjurava radicalmente qualquer ideologia machista ou feminista.
Hortelã, começou por dizer coisas... que fugiam totalmente da orla do condicionamento comum dos seus parentes que estavam presentes à sua homilia.
Disse, que na escala evolutiva da eternidade o ser humano jamais retrocede e, continua na eterna evolução, ou seja: não involui.
Única coisa, que realmente pode acontecer é, simplesmente o aluno repetir de ano, ou seja, terá sempre de repetir seus atos até que, através do sofrimento, que venha lhe causar suas tribulações no resgate do seu aprendizado.
E, ainda exemplificou: um filho às vezes necessita ser fustigado com a vara, até que tome consciência de que este açoite lhe causa dor, aí começa a deixar de sofrer através do entendimento.
Não adianta... ninguém aqui presente achar que, o corretivo é dispensável, ora...ora... a própria vida é truculenta com seus cegos que enxergam somente a maldade.
Haja vista que, existem poucos homens felizes, pelo fato de viverem na maior simplicidade de coração, pois, este estado lhe traz livre-arbítrio e paz.
O terceiro milênio fará com que o homem tenha mais liberdade de consciência, tendo que, seus valores se modificarão, deixando-o mais consciente, pois, a evolução pela sabedoria é infinitamente melhor do que pelo sofrimento.
Estamo-nos aproximando de uma tecnologia extremamente avançada aos nossos parcos conhecimentos, pela qual, seremos longevos, saudáveis e amoráveis seres transcendentes à outra dimensão.
Explicando melhor; a ciência está evoluindo à tal maneira que, seremos de certa forma biônicos num futuro bem próximo.
Os transplantes de órgãos humanos estão chegando, a telemática está avassalando o planeta, os meios locomotivos fazem-nos pasmos pelas suas grandes velocidades etc...
A isto tudo damos o nome de unicidade cósmica.
Aqui nesta simples fala, colocamo-nos diante do sábio mandamento do homem que andou à frente da humanidade ocidental, pois, há dois milênio, pregava: "Amai ao próximo, como a vós mesmos!"
Vemos então, que falava da sabedoria do terceiro milênio e muito mais, sabedoria eterna, porque amar é infinito...
Você jamais terá a capacidade de amar alguém, sem antes sentir este amor em si mesmo.
Portanto, não estará autorizado a dar amor, sem possui-lo!
Somente depois de senti-lo, mas, senti-lo verdadeiramente.
Não se espolie a si mesmo, pensando hipocritamente amar-se...
Estará esbulhando-se se estiver fingindo amar alguém, mesmo que o faça por obrigação, não importando se este pseudo amor for maternal, paternal, carnal, amigável etc...
- Agora pergunto, se o corretivo não deve ser aplicado?
Ora, não somos mais meninos, o tempo em que nos alimentávamos com papinhas e leite materno, já se foi ao longe, hoje temos de alimentarmo-nos com outras sustâncias.
Ninguém aplica corretivo em ninguém, ele é simplesmente auto-aplicável.
Colheremos implacavelmente o que plantarmos!
- Ou... os senhores já viram alguém plantar milho e colher arroz?
Ao plantarmos maldade, colheremos maldade! - É a lei natural. - E, perdoem-me, vou mais longe... este fato nem Deus poderá impedir, já que, nos ensinaram todas ordens religiosas que, ninguém é mais justo do que Deus.
Não sejamos radicais... ao vermos alguém em sofrimento, jamais soneguemos ajuda...
Aliás, este conclave não se presta para eleger nenhum papa, mas, tem exatamente esta finalidade, de prestar ajuda aos nossos irmãos...
Já que, Deus é extremamente justo, e que somente colheremos o que plantarmos: muitas vezes socorremos nosso irmão de sua aflição, porém, se ele for indigno deste lenitivo, com certeza, com a nossa condolência, ou não, mais à frente terá de colher o que plantou.
Esta nossa prédica, não tem essência punitiva, mas sim... simplesmente a de tomarmos consciência das coisas naturais, despojados de hipocrisia.
Você está em plena saúde física e com um corpo apolíneo, mas, a sua mente pode estar muito doente, até que chegue ao ponto crucial de afetar essa hercúlea carcaça...
Eis o resgate, na colheita do fruto que plantou!
O sofrimento vem em variadas formas:
O sofrimento de já ser extremamente abastado, porém, acompanhado da usura.
Ou, nababescamente pobre de espírito.
Ou, ricamente farto, porém, doente terminal.
Eis o relho natural, em retorno às nossas más obras.
Você pode ajudar José e, receber de João, não tem a menor importância, pois, isto acaba de provar que somos unos.
Portanto, todos somos iguais, partículas de um só corpo universal que se chama Deus.

CAPÍTULO XVI

A MÚLTIPLA PERSONALIDADE

Tristão Rubinato, este era o seu nome.
Tristão, um cara totalmente imprevisível, ora possuído por uma alegria ímpar, ora embrutecia-se categoricamente, ora transformava-se num ator de cinema etc...
Em certa época da sua vida começou a trajar-se de "Tom Mix" e, com seus trejeitos.
Como Tristão falava o idioma inglês escorreitamente fluente.
Para aqueles que não conheceram este personagem do cinema, "Tom Mix" era paladino nos tempos idos das películas em preto e branco.
Com senso de justiça implacável, Tão-Mix, como já o haviam apelidado - "o herói" era muito engraçado.
Tristão tinha uma capacidade enorme em fazer cálculos aritméticos e operações fundamentais.
Era proprietário de um mercadinho, que se tornara um hipermercado.
Quando tinha crise de "Tom Mix", vestia-se a caráter com roupas exóticas do faroeste americano. Fazendo questão de se apossar de um dos caixas do supermercado e a fazer cálculos de cabeça.
Mandava retirar a caixa registradora e danava a fazer contas e, seus fregueses ficavam abismados com sua capacidade cerebral.
Falava em inglês ao mesmo tempo em que traduzia aos clientes, evocando duas personalidades; a de orador e a de tradutor.
Diziam até que, ele se fazia de louco, para chamar a atenção dos clientes.
O interessante era que, realmente suas vendas aumentavam sensivelmente.
Quantas vezes não se ouviu murmúrio: - Tá vendo aquele cara vestido de "cow boy"... naquele caixa, ele é o dono dessa rede de supermercados!
Aí vinham deduções mil...
A família de Tristão estava cauterizada, já não sofria mais a vergonhosa sina de ser a família Tristão.
Às vezes passava a mão em uma vassoura e saia aos galopes pelos corredores do supermercado, e quem realmente ficava feliz era a criançada, vendo aquele senhor respeitado... com seus cabelos grisalhos, feito à mocinho naquela correria maluca à caça de algum facínora.
Mas, em seguida voltava ao caixa e atendia as pessoas com a máxima educação e, para isso ele tinha preparo, pois, havia estudado na Suíça, num dos melhores colégio do mundo...
Era tenor e, gastava seu tempo cantando o lirismo da Escala de Milão.
Quando cismava a cantar, realmente era muito carismático, atraindo multidão diante do seu comércio.
Cantava como gente grande, conhecia mesmo do assunto, colcheias, semicolcheias etc... etc...
Certa feita, encarnou um motorista de caminhão.
Chamou seu assessor preferido, e que era apelidado de Quim-meia-garrafa.
Joaquim era um pigmeu, lá com seus metro e vinte centímetros.
Cismou de fazer uma entrega, pegando uma carreta com várias toneladas, lotada com cereais, mesmo porque, Tristão era grande cerealista também.
A viagem não era muito longa, desciam uma serra em direção ao mar à uma cidade praiana...
Meia-garrafa só vivia bêbado, mas, eficiente naquilo que fazia.
Parecia um trovão quando falava, apesar do tamanho, tinha a voz de baixo na linguagem erudita musical.
Tristão resolveu parar numa das serras, para uma micção qualquer.
Ambos desceram, quando Tristão vê sua carreta rangendo em direção à ribanceira de centenas de metros em altura...
Desesperado inquire Meia-Garrafa:
- Quim...você não calçou os pneus da carreta?
- Claro que calcei!
- Calçou com quê?
- Calcei com cupim. - Responde a sábia criatura.
Querendo dizer: pedaço de um cupinzeiro...
Naquele instante, Tristão encarna um personagem bíblico e:
Irmão Quinzote, você nunca deve colocar seu coração nos bens desta vida, pois, "onde estiver o seu tesouro aí estará o seu coração", e de lambujem ainda o exortou: "mais fácil é, um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico se salvar..."
Usando as palavras de Jesus, pois, Tristão era formado em teologia e era um verdadeiro exegeta.
Apesar de seus estudos era céptico sobremaneira com as religiões.
Às vezes quando incorporava um mestre qualquer, fazia estardalhaço, pregando contra os sacripantas da religiosidade:
O que, vocês meus ouvintes acham dos religiosos irlandeses se matando em nome de Deus e de sua particular religião?
E, aí o circo pegava fogo, pois, ficava tão irascível que passava a agir como os tais irlandeses e, não raras vezes, chegava a polícia para acalmar o ambiente etc...
Hortelã não poupava Tristão, seu querido primo, por parte de mãe, por quem sentia fascínio e admiração, mas, sempre citava-o como exemplo de desequilíbrio.

CAPÍTULO XVII

O DÉBIL PREFEITO

Tão-Mix, agora era candidato, debalde o poder tentou evitar tal catástrofe...
Fizeram de tudo, calúnias mil lançaram sobre Tão-Mix que, na sua aparente humildade, parecendo até ter avocado como seu mentor intelectual... algum espírito de mansidão profética.
Dava gosto de ver a sua mansuetude, no transcorrer de suas prédicas eleitorais.
O povo estava com ele, sempre foi carismático e caridoso, isto ninguém podia negar.
Quantas vezes Tão-Mix, entrava sorrateiramente pelos fundos do supermercado e, enchia caixas de alimentos que furtava de si mesmo, para levar aos pobres da região.
Certa vez adentrou-se encapuzado no supermercado, logo que acabou o expediente do seu comércio, quando deu de cara com o seu próprio segurança e, este reagiu sacando da arma e desferindo-lhe um balaço bem na sua coxa esquerda.
E de lambuja, também sentou-lhe o cacete.
Desmascarado e estropiado o bandido, Josélio percebeu ter feito tudo aquilo com o presidente das empresas...
- E agora?
Agora... Tão-Mix, apesar dos pesares, tinha muito bom-senso.
Aquele episódio foi de grande confusão.
Josélio não sabia como se retratar diante do erro do seu próprio patrão que o consolava.
Josélio, agora você está peremptoriamente promovido a chefe da nossa segurança, pois, prestou um serviço inestimável aqui na nossa matriz...
Josélio, por vez entendia que, Tão-Mix tirava-lhe um sarro, para depois despedi-lo inexoravelmente.
O auge daquele acontecimento foi quando, promoveu uma comemoração para eleger o chefe da segurança.
Seus assessores e parentes tiveram muito trabalho para convencê-lo à uma reunião e, o fizeram.
Na reunião:
- Tristão, por que você tem atitudes tão adversas?
- Imaginem vocês que, sendo dono de tudo isto aqui, tenho de pedir licença para distribuir aquilo que é meu... pô!
Sabe... vocês são lacaios por serem somíticos, miseráveis, desumanos, não sabem repartir.
Por estes motivos... vocês são meus funcionários.
Tristão... você é louco, após aquele tiro, ainda promove o segurança!
- E por que roubar aquilo que é seu?
Realmente não dá para entender e, ainda nos espezinha com duras palavras.
Tristão, realmente era uma boa alma e, danou-se a pedir desculpas, dando verdadeira aula de organização metodológica e racionalização do trabalho.
O boato corria de boca-a-boca...
Na política, seus adversários eram fortes.
Sui gêneris era esta criatura. Muito rico, era dono de um Teco Teco, o "Trepidante" aviãozinho...
Era detentor de brevê e tudo mais, dentro da mais ilibada legalidade...
Certa vez, cismou em aterrissar na entrada da cidade e, realmente o fez, descendo com categoria ilegal.
Na região; bem próximo da aterrissagem havia uma base aeronáutica e... aí apareceu por lá, seu compadre e amigo íntimo, major-aviador, Navarone e, ficou tudo resolvido.
Mas, qual a surpresa... Tristão ganhara as eleições.
Aquilo que, os intelectuais citadinos pensavam, realmente foi por água abaixo.
Tachavam-no de esquizofrênico, debilóide, louco, paranóico etc... E, todos os "bons" da cidade, tornaram-se psicanalistas, cuja especialização era dar título ao novo caudilho da cidade.
Após o mandato, sentiram quanto Tristão foi nobre deixando aquela cidade um mimo, parecendo com as européias.
Acabou com a pobreza, deu emprego a muita gente, mas, sua grande sorte foi a amizade.
Seus companheiros de câmara, sempre foram eleitos pelos seus esforços financeiros e pessoais.
Com a maioria, pôde realmente colocar suas "loucas" idéias para funcionar.
Terminou seu mandato e ele resolve fazer mais uma das suas...
Numa das casas bancárias da cidade, onde detinha a maior conta daquela agência, trocar-se-ia a gerência.
Quando Tristão soube da transferência do gerente, e da posse do novo. Ah...! - Estava feita nova confusão.
Como detentor de tanto dinheiro naquela agência, sabia radicalmente que seus cofres estavam abarrotados de grana e, surpreendentemente entra com chapéu de aba caída sobre os olhos e:
- O senhor é o gerente?
- Sim, pois não!
Com a mão direita dentro do bolso do casaco e com o dedo em riste ao gerente, pronuncia:
- O senhor, por favor, fique muito calmo que... isto é um assalto!
O gerente esmaecido, pálido como cera, álgido como a neve e, trêmulo balbucia:
- Pelo amor de Deus, sou pai de três filho e, hoje é o meu primeiro dia nesta agência...
Tristão penalizado, quase deixa transparecer a brincadeira e, com palavras cristã e de extrema consolação lhe diz:
- Tenha fé em Deus, pois, "quem crer em Jesus mesmo que esteja morto viverá!"
Na realidade ele queria mesmo, dizer outra coisa que, na verdade poderia estragar tudo o que houvera planejado.
Aquelas palavras levaram o coitado do gerente à uma preocupação muito maior, que quase o fizeram desmaiar.
O gerente cambaio, acompanhado de Tão-Mix, foram até o caixa principal e o gerente ordenou que tudo fosse feito conforme a vontade do "facínora".
Tristão já havia combinado com aquele caixa, que era seu velho conhecido, toda aquela brincadeira de mau gosto.
Tristão mantinha naquela agência uma caixa forte, onde depositara grande fortuna de ordem pessoal, e diz ter assaltado uma casa na noite anterior, e roubado a chave daquela que seria sua sorte grande.
Pegou aquele monte de documentos e metais preciosos (jóias de ouro) e...
- Sr. Gerente, guarde toda essa fortuna, enquanto vou até essa agência aí do lado, visitar outra entidade financeira, e logo voltarei para apanhá-la com o senhor.
Quando tira a mão direita do bolso, deixando claro e evidente que ali não existia arma nenhuma.
O gerente afrouxou-se todo, feito à maria-mole, pediu água com açúcar.
Quando o gerente soube que aquilo tudo não passou de uma brincadeira, ficou uma fera e, mandou-lhe um recado contundente, dizendo-lhe que se não lhe faltasse hombridade pedisse-lhe desculpas.
Tristão, esperou um horário de grande movimento no banco, e se apresentou ao gerente.
A desforra foi total, o gerente disse-lhe tudo, fazendo o de gato e sapato.
Mas, mas... um fato interessante estava para acontecer...
Tristão e o gerente tinham a mesma idade.
E, aos doze anos de idade Tristão houvera estudado num colégio interno, bem longe do seu lar, e lá conheceu um criatura que sofrera queimaduras atrozes de terceiro grau, em suas pernas.
Cuja dedicação... Tristão dispensara ao seu então amigo, Jordão, no auxílio com lenimentos e ataduras para o sustentáculo da tão frágil criatura.
Naquele instante a emoção foi muito grande quando, com águas nos olhos dirige-lhe a palavra Tristão:
- Jordão... meu querido amigo Jordão, como pode não ter me reconhecido?
- Sou Tristão Carambola...! - Seu antigo apelido.
- Tristão Carambola, não é possível, há quantas décadas...!
- Tristão não o reconheceria nunca, você parece um bode com essa barba branca, porém, sem nenhum juízo nessa cabeça... que poderia denunciá-lo.
Jordão, viera de mil quilômetros de distância para radicar-se ali e, ainda portava sua bengala, resquício de tantos anos de deformidade física.
Uma amizade que somente poderia ser preservada depois daquele "assalto", pelo poder do amor e do perdão que, Jordão nutriu em sua lembrança do seu amigo que, por um ano o ajudara como seu enfermeiro predileto.
Daí abraçaram-se e choraram de emoção, enquanto os funcionários sem nada entenderem exclamavam:
- Que palhaçada!
- Como pode, dois marmanjos que brigam entre si, e depois abraçam-se chorando, vá entender o ser humano...

A DOR DE SALVATINA

Clodomiro, este era o nome do único filho de tia Salvatina, tia de Hortelã e... de outros sobrinhos.
Salvatina era uma mulher realmente miúda, menor ainda... do que Marla, pequenina, mas, do coração grande.
Clodomiro era um garoto que sofria de autismo e outras enfermidades, sua querida genitora dedicou-se muito pouco tempo ao seu querido rebento.
Manuel, seu esposo... não resistindo aquela situação desastrosa em ter um filho doente, sem o menor pudor abandonou-os, indo embora com sua amante Crescência.
É bom, que aqui se explique, Crescência era mesmo o nome de sua amante.
Mas, o fato que nos chama a atenção é, o crime praticado por Manuel...
Seu pai chamava-se Bezerra, ao menos era assim conhecido, talvez tenha sido o seu sobrenome.
Manuel ainda namorava, Salvatina, e um belo dia notou que o seu pai saía constante e furtivamente, logo após chegar do serviço, que era no engarrafamento de vinho ali em uma das adegas.
O velho Bezerra, vinha agindo àquela maneira por vários meses e, sua esposa, que vivia há doze anos em cadeira de rodas, nada podia saber sobre suas andanças.
Manuel, muito curioso, um dia resolveu segui-lo.
Moravam num sítio de vinte hectares, herança de seus avós.
Ali havia uma mata espessa, porque os avós eram extremamente ecológicos, até por instinto.
Eram abastados e, gastaram uma grana viva, fechando uma grande área daquela mata com uma cerca de pau-a-pique que circundava quase um terço do sítio, e cerca... a ser respeitada, pois, sua altura era de dois metros e meio, era quase toda de cambará, madeira esta, de grande resistência. Alguns entendidos dali, diziam que, o cambará resistia por mais de cem anos enterrado na terra...
Manuel, era grande admirador daquele tabernáculo ecológico e de seus gnomos.
Nem uma porteira havia naquela cerca, pois, seus ancestrais realmente adoravam religiosamente aquele local que tornara-se mata cerrada!
Seguindo o pai que, houvera violado a dita cerca, e que distava a uns duzentos metros da casa de sua moradia, e consequentemente fizera uma picada também, ali na mata, embrenhou-se, cismado e sem imaginar o que, poderia acontecer naquela odisséia proposta na cabeça do velho pai.
No rastreamento, calculou haver andado um quilômetro, aproximadamente.
Atocaiado, espreitava o pai que entrou numa loca, voltou para a casa e, não querendo aguçar curiosidade à sua mãe, a ela nada disse.
Porém, muito encasquetado, faltou ao serviço no dia subseqüente, somente para aquela investigação.
O que estaria fazendo Bezerra, por várias horas consecutivas dentro daquele buraco que, outrora fora uma mina de carvão mineral, segundo velhos moradores do local. Minas exploradas pelos escravocratas de antanho.
No dia seguinte, sorrateiramente para lá, tocou Manuel, logo... que o pai foi para o engarrafamento de vinho... que era a sua principal ocupação por longos vinte anos.
O jovem Manuel, que jamais entrara naquele lugar, pois, havia também, lendas a respeito do estranho buraco de muitas dezenas de metros, e desde muito jovem, respeitava aquela mina, bem como aquela mata, como se lá morasse algum deus do mal.
Pensou muito, para adentrar-se à gruta, mas, conjeturou-se:
- Se, meu já cansado pai entra e, lá permanece por longas horas, o que poderá me impedir que o faça também?
Começou a odisséia desvairada de Manuel, caminhou por uns vinte metros, com uma lanterna de carbureto que sempre usava para caçar rã, um instrumento especial para tais atividades.
Lembrou-se dos vampiros... lenda esta, de que havia muitos morcegos que atacavam impiedosamente seus visitantes que porventura ali ousassem entrar.
Como fora a lenda do Joca, transformada em livro e filme...
O velho Joca, fora um escravo, que servira aos ancestrais de Manuel.
Há muitos anos este Joca, fora encontrado justamente nesta distância em que Manuel ali se adentrara, cerca de vinte metros exatamente após a boca da mina e, que neste exato momento uma sombra aterradora fizera o jovem Manuel cair em êxtase, pois, deparara com um vulto que o fez lembrar do malfadado conto.
Voltemos então ao velho Joca, nesta altura do campeonato já havia recebido sua carta de alforria e, tentava refazer a vida, com a velha alforriada Carlota, o amor de sua vida. Há bem pouco tempo a mina estava desativada, mas, Joca teimava em afirmar que houvera visto veios de ouro e, portanto, nesta ocasião voltara ao macabro buraco para tentar a sorte.
Bem... resumindo, Joca fora encontrado morto e esvaído, portanto, com apenas resquício de sangue.
Daí o alarde de que fora sugado pelos vampiros da mina.
Quando o encontraram parecia um zumbi, pálido, gélido, como haveria de ser qualquer cadáver em pele e osso.
Muitas vezes naquela noite, Manuel se perguntou:
- Como pode o velho Bezerra, ser possuidor de tanta coragem assim, sempre tive o velho como homem manso, pacato e, agora com toda essa valentia de enfrentar até os vampiros?
- Teria feito algum pacto com o demo?
Mas, agora estava dormindo e tinha um horrível pesadelo com o mesmo local, em sonho continuava a sua entrada aprofundando-se e lutando aguerridamente com enormes dráculas, que tentavam vampirizá-lo.
Subitamente acordou e, agradeceu aos céus, pois, havia saído de um pesadelo, mas, entrava num outro, o do medo, quando notou estar dentro da caverna e, os bichinhos voando sobre si, quase voltou a desmaiar e, tentando manter a calma, ao levantar-se percebeu que o vulto que houvera visto, não era nada mais nada menos que; a sua própria sombra.
A lanterna permaneceu acesa, e ao entrar em letargia, tivera a sorte da lanterna ainda estar com o lume aceso.
Neste instante ouviu-se o apito, para o almoço, lá na fábrica de vinho.
Então partiu em retirada antes que o pai chegasse para a refeição, cuidou de se esconder, para que o velho não lhe perguntasse o porquê de ter faltado ao serviço.
Manuel amedrontado, limitava-se a sondar o pai que, às vezes se metia a entrar na mina, alta hora da noite, o que deixava o jovem realmente pensativo e assustado.
A grande dor de Salvatina começa a se revelar logo mais...
Um certo dia em que seu pai, saiu para uma festa religiosa, como era a tradição do lugarejo.
Manuel tomou uns goles a mais e, teve a devida coragem de se adentrar à mina.
E, lá se foi o jovem mineiro da sua própria curiosidade.
Desta vez, além do lampião de carbureto, precatado levou consigo também, uma tocha, com a qual, pretendia expulsar os morcegos-ratos, pois, ouvia o povo daquela época dizer que, morcego fora um rato que sofrera uma metamorfose etc... etc... o que piorava ainda mais a sua situação, já que não possuía um dos artelhos do pé esquerdo que, fora comido por uma enorme ratazana, quando ainda era muito tenro de idade.
O medo era chocante.
Vasculhando o local pela sétima vez, encontrou um balaio com algumas pedras do "maldito" ouro, que haveria de trazer a maior maldade e desgraça que poderia ele viver.
Para que o pai não desconfiasse, pegou algumas pedrinhas daquele ouro e levou consigo, guardando-as debaixo do seu colchão.
Os dias se passavam e Manuel, cada vez mais encasquetado com o tal acontecimento.
Até que não se conteve e, pediu licença lá do seu serviço e, planejou fazer uma viagem para verificar se aquilo era de algum valor.
Manuel nunca tivera a oportunidade de colocar as mãos em muito dinheiro, bem, tomou ele um ônibus e partiu para uma cidade próxima, atrás de um ourives.
Meio perdido, pergunta daqui e dali, até que, alguém lhe mostrou o caminho das pedras.
Deu ele a grande sorte de perguntar a um senhor religioso e aposentado, de muito boa índole que o levou até um mercador de ouro que chamava-se Isaque, um judeu, também bem intencionado.
Quando Isaque lhe pagou, sem fazer nenhuma pergunta e, ele atônito pela quantia que estava recebendo, pela apropriação indébita paternal, exultou-se em alegria.
O garboso jovem magnata, agora sentindo-se senhor do mundo, passava inocentemente por uma rua composta do maior prostíbulo da cidade e, sendo assediado por garotas que jamais esperava ver, "não resistiu o cheiro da gabiroba". - Ditame dos capiaus lá do vilarejo.
Entrou em uma daquelas casas e, ainda teve muita sorte, pois, a moçoila que lhe prestou seus libidinosos serviços e que deixou o "inocente" jovem louco de perder a cabeça, tomou a devida providência em deixar uns poucos trocados em seu bolso, o suficiente para que retornasse à sua casa.
Agora achara uma maneira fácil de obter dinheiro e orgia, isto para ele representava o paraíso.
Manuel era muito tímido e criado dentro da religiosidade, mas, estava desviando-se do bom caminho.
Até agora nada do que relatamos tem muito a ver com a dor de Salvatina, mas, espere só para ver!
Tornando-se lugar comum, naquela sua atitude, freqüentador agora que era do famoso inferninho, termo muito usado antigamente, adquiriu algumas doenças venéreas e as transmitiu à sua Salvatina, que já esperava o filho... Clodomiro.
E agora? – A situação estava preta.
Haveria de enfrentar a polícia?
E, o sogro com a sogra?
E, seus pais?
O coroinha de muitas missas, hiper conhecido pela sua santimônia, encontrava-se em palpo de aranha!
O escândalo por certo o mataria de vergonha, tendo em vista a sua timidez.
Tentando justificar-se, lembrou-se de sua tia Joana, carola ao extremo, gostava imensamente da sacristia, e que houvera deixado seu tio Gamberra, seu mais querido tio, e fora morar até fora do país, por estar apaixonada por um dos seus próprios funcionários, o Zezé, jardineiro da arrogante dama, que agora acabara de manchar o nome da família Gamberra pois, aquela família era possuidora de grande conceito nas circunvizinhanças.
Agora, Salvatina começa a sua "via crucis..." pessoa bastante acanhada, teve de ir muitas vezes ao médico, expondo-se ridiculamente ao profissional de saúde, que várias vezes, passou-lhe um sabão, chamando sua atenção para os devidos cuidados com as doenças venéreas etc...
Grossura do médico que, era candidato oposicionista de Tão-Mix e, estando a par de todo o parentesco do pessoal da redondeza, quis fazer desabafos em cima da coitada Salvatina.
Resumindo, Manuel foi espoliado em sua moral eclesiástica, enxovalhado, espezinhado, e execrado por todos, ficou tomado de muito ódio e, maldizia o mundo, seus componentes e a própria vida.
Tomando todas, chegara o momento de usufruir daquele ouro, que aumentava lá no cesto dentro da mina e que, o velho escondera num buraco feito na parede da profunda loca.
Bezerra começou a desconfiar de alguma coisa estranha, pois, parecia-lhe que o ouro estava diminuindo, quanto, mais estava trabalhando.
Enquanto estes acontecimentos se davam junto a pai e filho, lá na residência, Salvatina ardia em febre, conquanto, cuidava de Clodomiro, que já houvera nascido com muitos problemas de saúde.
O velho já não encontrando mais o precioso metal nobre no filão que se esgotara, pensava em retirá-lo dali, um total de cinco quilos de ouro.
Manuel, já meio desmiolado, pois, acabara de perder Salvatina, esta morrera infectada por algum vírus mortífero e, já morando com Crescência que, passava pelo mesmo processo de Salvatina, também infecta...
Sobrou de interessante... para o jovem revel, apenas os cinco quilos de ouro, que deveria apropriar do velho pai, Bezerra.
O embate fora deveras cruel, pai e filho trombam-se dentro do buraco, força do destino talvez, aquele encontro foi realmente macabro.
Bezerra jamais admitira ser roubado pelo próprio filho e, começou a espancá-lo, quando viu o jovem com a mão no seu ouro, saindo da caverna.
Iracundo, Manuel começou a revidá-lo e, o velho tomado de assombroso desgosto por ter a reciprocidade de seus socos e pontapés, cai fulminado por um ataque cardíaco.
Manuel, meio arrependido, fugiu com o ouro e sonegou socorro ao pai, que àquela altura já estava morto.
O velho, anteriormente, pensando na retirada do ouro, resolveu contar à sua dileta esposa o que estava acontecendo e, conjeturando entre si, a própria esposa delatou o filho, achando-se desconfiada do macebo, já que tinha sido despedido do emprego, por faltas ao serviço e brigas com os funcionários etc...
Então Manuel refugiou-se no prostíbulo da cidade vizinha, havendo enterrado o metal ao pé de uma Canjerana, árvore de lei... retirado ali do local do desafeto, fazendo uso das ferramentas de escavação ali da mina.
Pelas escoriações no corpo de Bezerra, constatou-se que houvera uma luta corpo-a-corpo e, quem teria sido o seu oponente?
Logo a polícia concluiu que fora o filho e o prendera.
Preso e julgado, logo sairia por boa conduta... para se apossar do vil metal.
Mas... como as paredes têm ouvidos, seu primo, não se sabe o porquê, soubera dos detalhes dos acontecimentos e, em campana, coisa de desocupado, espiava com acuidade o primo Manuel.
Com a fama de que, seu primo Manuel houvera assassinado o próprio pai, portanto, sendo um parricida, tomou algumas preocupações malévolas, muniu-se de um revólver calibre trinta e dois e partiu em perseguição oculta ao primo.
Às dezessete horas de um dia de Natal, achava-se confiante de que não seria visto por ninguém e, locomoveu-se para resgatar sua fortuna.
Com uma peixeira, começa a escavar o chão debaixo daquela árvore, ponto referencial do esconderijo da sua "felicidade".
Quando de repente... sorrateiro, Saião, seu primo, lhe argüi:
- Ei, primo, vamos dividir isso aí!
- Cego e possesso pelo atrevimento de Saião, Manuel avança sobre ele, com a peixeira em riste.
A distância entre eles... era de uns dez metros, aproximadamente.
Ouviu-se um estampido e, Manuel tomba lentamente e, pedindo clemência, mas, Saião que também, não era do ramo de matadores profissionais, ficou estarrecido com sua própria atitude.
Achegou-se ao primo, colocando sua cabeça sobre seu braço direito, implorou o perdão.
O moribundo Manuel, sorri e diz:
- Eu pecador! – Como poderia perdoá-lo, não vivo santimônia para isso!
Só uma coisa lhe peço, antes de você se ver com a polícia, pegue este ouro e entregue à nossa amantíssima Hortelã que, saberá o que fazer com essa pequena fortuna lá no seu orfanato, e por favor não se aproprie de nada, pois, se o fizer aí sim eu ficarei com muita pena de você.
Quanto ao seu perdão... encaremos isso como um mero acidente.
E, antes do último suspiro, rogou enfaticamente ao primo recomendasse à Hortelã, que tomasse conta do seu querido e doentio Clodomiro.
O problema agora estava com Saião... que, pensando em si mesmo, tomou aquele ouro e carregou-o para um casarão abandonado perto da estação da estrada de ferro local.
Desta feita o crime fora quase perfeito, já que, Saião fora um investigador, ou detetive de polícia, com experiências em tais assuntos.
Com sua vivência de trinta e cinco anos de idade, conseguiu driblar a polícia, fazendo-se passar por inocente cidadão.
No casarão abandonado, estavam escondidos ouro e arma do crime.
Um novo delegado chega à região e, se interessa muito pelo caso, já que, num lugar pacato, não tinha quase crimes.
Logo, Saião apareceu com carro zero e, todos os dias ia à faculdade de direito, todo empolado dentro da sua máquina.
Voltara a estudar, direito.
O delegado, já em vias de se aposentar, tomou aquele caso como seu derradeiro serviço de perfeccionista profissional.
Saião, já não dormia mais, pois, sua consciência doía muito, pela intenção que teve de participar da posse do ouro, nem tanto pelo tiro que desfechou ao primo Manuel, sendo que, considerou um acidente de legítima defesa.
Procurou Hortelã, e entregou a ela o pouco que sobrara do ouro, mais ou menos como o pedido do primo e, procurou o delegado confessando tudo, porém, não teve forças para verbalizar e, lhe foi concedida a permissão de escrever a sua versão, na presença do escrivão e do delegado, aqui grafada:
- Nesta oitiva, quero deixar claro que, esta é a verdade dos fatos, pois, perturbado pela minha irmã, indutora intelectual deste crime de roubo que cometi, e não o nego, porém, deixo explicito que fui concitado por terceiro...
Apesar de repreendido pelo bacharel, insistiu em sua autodefesa:
- Jamais foi latrocínio, e sim... a mais pura autodefesa, ou melhor: defesa pessoal!
- Sendo que, Manuel avançou sobre minha pessoa com aquela arma branca, porém, com grande periculosidade e, instintivamente o gatilho foi acionado... com certeza não foi o meu dedo que, moveu-se naquele instante de grande tristeza para mim que, estático vi meu querido primo tombar.
- Mas, o que teria a sua irmã com aquele crime?
- Lá no casarão, onde escondi o ouro, minha irmã também me seguiu e, me flagrou escondendo o metal, já que era mentora deste crime, porém, jamais esperava ser a presença dela que se aproximava, apenas, aquele espectro me arrepiou e, em profundo calafrio o medo e, ao mesmo tempo o respeito me fizeram pensar tratar-se de minha mãe querida...
- Não sei... imaginei-a em espírito e, até pensei na possibilidade de haver morrido naqueles momentos de medo.
- O vento gélido e uivante me assolavam profundamente o corpo e a alma.
- O arrependimento concitou-me a falar e... em murmúrio depauperado perguntei:
- É a senhora... mamãe querida? – Enquanto meus olhos entumeciam-se da mais acérrima torrente lacrimal.
- A resposta me fora sonegada e, então, do mais profundo silêncio... surgiu a presença odorífica de minha santa mãe, acompanhada de um som mavioso, que me anuíam o perdão.
- Logo em seguida ao espectro de mamãe, surge outro que, supus, fosse o espírito de Manuel, aquele que cometera o mais repugnante parricídio, por meras pepitas álgidas, como fora o palor do seu pobre coração.
- Filosofei naquele instante e, com a mente tisnada pelas visões, e conclui:
- Oh... Deus dos miseráveis, perdoai-me, posto que, de memória encanecida, já posso avaliar o grande sacrilégio que aviltei à esta minha pútrida vida.
- Enxovalhado, porque era noite e chovia torrencialmente e, havia caído no barro da rua lamacenta.
Saião, de mente estouvada, arrependera-se profundamente, porém, sobre si pairava a maldição pela maldade que cometera.
- As pepitas espicaçavam-me o âmago e, a dor abrira-me uma lacuna no coração e, a sutura que tentara pelo perdão, não me fora cauterizada.
- Quando já sentindo-me perdoado, o silêncio se quebra pela voz de barítono, entonada com firmeza:
- Acompanhe-me!
- Cambaio pela mácula em minha consciência e, que me fazia debulhar em lágrimas de sangue, segui a voz que me ordenava.
O som calmante, e o vislumbre da presença de sua santa mãe, transformam-se na cruel presença de seu algoz que, vem para executá-lo como um santo criminoso.
- Algemado, caminhei pelas vielas da cidade, acompanhando o meu carrasco, rumo à crudelíssima dúvida, quem sabe se... um inenarrável julgamento, muito além daquele que, jamais houvera imaginado.
- Repentinamente, resvalei e caí sobre uma sarjeta pútrida, como se fora o prenúncio mefistofélico do inferno que me esperava.
Esfolado soergui-me sem o auxílio do meu verdugo que, às gargalhadas macabras só me fez chacotear.
Retomando a funesta caminhada... Passando pelo bar, vê claramente seu inquisidor rindo aleivosamente, meneando com um copo de cerveja, brindando à sua esdrúxula condição de assassino, levado ao calabouço da sua consciência atroz.
Era o seu cunhado, casado com a mentora do crime que, o havia interrogado anteriormente, por simples curiosidade.
Laivos de resquícios, em lembranças de sua infância, escorrem de sua memória, plasmando em suor de medo incontido... jungido à aparição de sua irmã que, os acompanhava como depoente dos fatos.
Agora, desnudo com sangrentas marcas da maldição e, estupidamente envilecido, cruza, rojando o chão de terra vermelha enlameada, puxado pelas maciças mãos ... não menos ordinárias e valetudinárias do seu carrasco, pela estação ferroviária.
Aquele que, por um laivo momentâneo já pensava em arrependimento, foi apossado da profunda ira, pela provocante humilhação feita pela irmã.
A irmã em conluio com o marido, que na realidade não era um marido legalizado, apenas, amancebavam-se, iriam dividir o ouro... mas, agora o sonho acabara!
A irmã imbuída de profundo arrependimento, confessou ser conivente e mentora intelectual do crime e, foram julgados na forma da lei... etc...
Um fato notório acontecera com Saião, condenado e preso, ficou ali mesmo naquela cadeia pública, à égide daquele delegado e, o pouco tempo em que o bacharel permaneceu ali, deu um grande apoio a Saião, pois, notara que, o réu era prolixo sobremaneira e, futuramente tornar-se-ia um escritor de novelas.

CONSIDERAÇÕES

"Nem tudo que reluz é ouro."
"Nem tudo que balança cai."
Como somos ignorantes em nossas deduções.
Estamos sempre julgando nossos irmãos, sem nos colocarmos na sua pele.
Sentimentos são sentimentos.
Respeitando o sentimento do próximo, estaremos cumprindo a nossa missão.
Quando enxergamos verdadeiramente, estaremos prontos para ver também a dificuldade do nosso irmão, de não enxergar!
Quantas vezes tentamos mostrar o nosso caminho à alguém, mas, este alguém parece não entender, ou fazer de conta que não entende, o que, nos irrita ainda mais.
Como se disséssemos a um jovem usuário de droga, mostrando-lhe que este não é o melhor caminho a ser seguido.
Pois bem, pode ser que ele concorde com nossas palavras, mas, logo estará praticando o mesmo vício.
Agora, sejamos cautelosos, existem drogas e drogas...
A mentira é uma droga cauterizadora da mente humana.
Ao viciado na mentira a gente diz... para que ele não minta, e ele concorda, já de cara cometendo-a!
Deixemos bem claro:

MAU HÁBITO É, VÍCIO!

Vício de alcovitar!
Vício de mentir!
Vício de furtar!
Vício de drogar!
Vício...vício...vício...
Vício, grande cauterizador, que transforma a mente humana fazendo-a crer que a mentira é "verdade".

Pena que... não possamos dizer: "Vício de amar fraternalmente!"
Seria pejorá-lo profundamente...

OBRA: ROMANCEADA DE AUTO AJUDA

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